CLAUDIO L. LOTTENBERG - Presidente do Instituto Coalizão Saúde
Uma certeza que a covid-19 deixou é a de que se trata de um oponente com o qual não há soluções de compromisso: baixar a guarda é arriscar-se a ver todo o avanço conquistado regredir. E o risco maior é o representado pelas variantes. Há mais de dois anos em curso, a pandemia de covid-19, a pior crise sanitária global em mais de um século, não tem fim à vista. Desde seu início, avançou-se muito – hoje existem não só vacinas, mas pesquisa, estudos e produção de artigos, que nos trouxeram muito conhecimento sobre a doença (embora ainda haja muito por conhecer). O uso de máscara e a higienização rigorosa e frequente das mãos se incorporaram aos nossos hábitos. Mesmo o distanciamento social teve efeitos positivos.
Mas houve diversas variantes do vírus Sars-Cov-2 ao longo dos últimos dois anos. A delta se notabilizou como a mais letal. A ômicron foi a mais contagiosa até o surgimento de outras – a BA.1, entre dezembro do ano passado e janeiro deste ano, e a BA.2, em fevereiro último. Esta se alastrou pelo Reino Unido e teme-se que avance de forma rápida por países europeus como França, Itália e Alemanha. Ambas são “variantes de preocupação” para a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Existem hoje cerca de 505 milhões de casos confirmados de covid-19 no mundo todo. Os óbitos causados pela doença já passam de 6,2 milhões. Os casos diários mostram mais de 700 mil pessoas infectadas em 24 horas, segundo dados da OMS. Ainda que a tendência observada desde o fim de março seja de desaceleração nesses indicadores, falar em fim da emergência mereceria um debate mais aprofundado.
Mesmo hoje, embora pouco mais de 84% da população brasileira já tenha recebido uma dose de vacina, 74% estejam com o esquema vacinal completo (duas doses ou dose única) e 39% tenham recebido a dose de reforço, o acesso não é uniforme em todo o país. Mais que isso: há países, principalmente na África, com avanços baixíssimos – alguns países, como Tanzânia, Congo, Camarões e Sudão do Sul ainda não chegaram a dez doses por grupo de cem pessoas.
Na República Democrática do Congo, por exemplo, há apenas uma dose aplicada por grupo de 100 habitantes. Para comparação, na América do Sul praticamente todos os países já aplicaram mais de cem doses por grupo de cem habitantes (e alguns, como o Brasil, já estão me mais de 200 doses por cem habitantes).
Tamanha disparidade serve para mostrar que países mais avançados no combate à covid-19 precisam ampliar esforços para ajudar os menos avançados, e que o espaço para variantes surgirem continua amplo. Sem eliminá-lo, ou ao menos reduzi-lo, não se reverterá a crise causada pelo coronavírus.
Decretar encerrada a emergência também deixa as pessoas confusas acerca das medidas de cautela – principalmente quanto à obrigatoriedade ou não das máscaras. Apesar da liberação do uso em muitas cidades, parte significativa da população segue usando. Mas no plano das regulamentações, os sinais são divergentes, e isso prejudica o combate à doença.
A pandemia prossegue, não há fim à vista e não se pode permitir recuos no combate à covid-19. Ainda que a posição do Brasil seja favorável, o surgimento de uma nova e ainda desconhecida variante não pode ser descartado. Sair da situação crítica que a covid-19 representa não se definirá por decreto – mas, sim, por uma mudança de atitude. É preciso que haja um esforço intenso de conscientizar e educar a população, para que não deixe de lado as medidas de proteção aprendidas e já incorporadas aos hábitos cotidianos. Pessoas em grupos de risco (como idosos, pacientes com problemas cardíacos, entre outros) têm na máscara uma forma de proteção ainda muito importante. Aglomerações também, quando possível, devem ser evitadas. A mudança para uma atitude de manutenção da cautela – esta, sim, é que fará com que cheguemos mais rápido ao fim não só da emergência como da pandemia.