Em algum lugar muito recôndito deste país, verdade e sua coirmã, a justiça, parecem ter se abrigado, fugindo desse momento presente de incertezas e em que a inversão de valores se transformou, da noite para o dia, no novo normal, com os tribunais, agora, protegendo e inocentando notórios criminosos, ao mesmo tempo em que condenam e perseguem inocentes, sobretudo aqueles que ousaram, um dia, mandar para a cadeia, poderosos e influentes políticos e empresários. Todos eles metidos até a ponta do cabelo no mais profundo e fétido lodaçal de corrupção já visto pelos brasileiros.
É nesse ambiente, em que já não é possível sequer distinguir o chão do teto, que os autênticos operadores da justiça, aqueles que buscaram verdade em nome da sociedade, vão se transformando em réus apenas pelo fato de que cumpriram com o que ordena o dever profissional e a ética, mandando para a cadeia os principais membros da bem estruturada quadrilha que dilapidava o Estado, por dentro do coração do Estado, num esquema tão surreal que nem os mais inventivos escritores de ficção policial imaginariam.
É tudo tão absurdo, que o uso das expressões correntes da nossa língua já não consegue traduzir o que se passa neste momento. Felizmente, aqui e ali, ainda despontam alguns personagens dotados de digna coragem para denunciar esses e outros descalabros que assistimos todos, entre mudos e inertes.
Um caso aqui, digno de nota, foi trazido pela coluna de JR Guzzo, publicada na revista Oeste, na última semana, intitulada "Estão querendo virar a mesa". No artigo, o jornalista diz textualmente que há um golpe de Estado sendo preparado e organizado em câmara lenta, pronto para ser executado, na frente de todos. Não se trata, segundo o articulista, de um golpe nos moldes tradicionais, comandado pelas forças militares, mas levado a cabo por aqueles que se arvoram defensores da democracia, mas que, no íntimo, estão angustiados com a perspectiva de perderem seus privilégios. "É gente que vem com uma doutrina destes nossos tempos", diz.
Gente que, segundo consta no artigo, está disposta a "salvar" a democracia, destruindo as regras da própria democracia, disposta, inclusive, a anular os resultados das eleições de outubro, caso vença o demiurgo de Garanhuns. O que fica evidenciado, e mereceu ampla divulgação feita pelo presidente Bolsonaro em sua live semanal, é, que tanto a cúpula do Poder Judiciário quanto parte do atual Congresso, estão se articulando para governar o país, afastando todas as pautas consideradas por essa turma como conservadoras e contrárias aos seus propósitos. Para tanto, alerta Guzzo, não se intimidarão em bloquear, degenerar ou falsificar as eleições para fazer prevalecer suas regras. Quem acompanha e conhece a longa e prestigiosa trajetória de J R Guzzo, considerado hoje o mais brilhante e incisivo jornalista do nosso país, deve ter ficado de orelha em pé com esse artigo.
O próprio presidente foi um desses. A ideia final desse grupo continua o artigo, é dar a vitória ao único adversário real do atual presidente. Guzzo em seu texto dá nome aos bois. Logo em seguida, vêm os políticos do Brasil velho, bichado e inimigo do progresso — "dos túmulos do PSDB, dos que querem roubar e estão em síndrome de abstinência, dos parasitas da máquina estatal, dos fracassados que precisam voltar ao governo e afastar o risco de perderem o resto de suas carreiras.
O golpe traz consigo ainda o consórcio nacional formado pelos empreiteiros de obras públicas, os empresários-piratas, os ladrões em geral, as classes intelectuais, as empresas aflitas com as questões de gênero, raça e sustentabilidade, os artistas de novela e os banqueiros de esquerda".
A reforçar o teor desse artigo, é possível elencar um calhamaço de sentenças oriundas das altas Cortes que vão de encontro as suspeitas do articulista, de que há, de fato, um golpe em preparação. Só para ficar na mais recente dessas decisões, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acaba de anular, por quatro votos a um, uma série de sentenças condenatórias proferidas pelo ex-juiz Sergio Moro contra membros do Grupo Schahin e contra ex-dirigentes da Petrobras, no âmbito da Operação Lava-Jato, com todos esses processos sendo encaminhados, pasmem, para a Justiça Eleitoral.
Agora, também, o próprio Sergio Moro foi tornado réu em ação popular que foi aceita pela Segunda Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito federal (SJDF), acusado de ter provocado prejuízos de mais de R$ 172 bilhões à Petrobras por conta de seu protagonismo frente a Operação Lava-Jato, e que teria resultado em graves danos à estatal e a diversos entes da administração pública. Um dos signatários dessa ação é ninguém menos do que o notório deputado José Guimarães, do PT.
Pelo o que se tem visto até aqui, todos os elos desse esquema vão sendo montados um a um, diante de todos nós, com a cumplicidade de muitos, o silêncio de outros e a covardia daqueles que, mesmo sabendo dessa trama, fingem-se de mortos.
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