LUIZ FELIPE GABRIEL GOMES — Consultor de empresas e pesquisador de opinião pública e mercado
A grande discussão do momento: há vida além da guerra ideológica fratricida instalada na sociedade brasileira? Não importa a resposta, pois a verdadeira discussão de interesse da nação é esta: o que seria desejável para o país em termos de liderança? Qual o perfil do governante que daria conta do recado e botaria o país nos trilhos? Quem seria capaz de promover convergência na sociedade, encontrando os pontos de interesse coletivos, desprovido de julgamentos e críticas?
O mérito está justamente no exercício desse debate. Obviamente, trata-se de uma utopia ou mesmo a busca do ideal platônico na República. E tudo bem que não exista de fato esse santo homem ou mulher. Mas, se perdermos a capacidade de almejar um ideal que pelo menos sirva de parâmetro do que é desejável, não haverá mais esperança e sucumbiremos às vaidades de infindáveis grupos de poder, cada um puxando a balança para o seu lado e causando o desequilíbrio e, daí, a injustiça.
Tensionados pela crescente injustiça social, seja em relação à distribuição das riquezas nacionais, ou à péssima relação entre arrecadação e qualidade na oferta de serviços essenciais, o povo brasileiro clama por uma ruptura no modo de funcionamento do governo, manifestando-se regularmente quando empunha a bandeira e o espírito nacionalista.
O que representam Lula e Bolsonaro para o país neste momento? Qual deles oferece mais perspectiva de responder à mudança almejada pelos brasileiros? O único fato certo é a permanência sazonal desse desejo de ruptura, encarnado por Bolsonaro na eleição passada, por Lula em 2002, Collor em 1989... Segundo o mais renomado cientista das mudanças sociais, o polonês Piotr Sztompka, a mudança se consolida apenas quando gera profundas reformas normativas e funcionais no Estado, recebendo daí o reconhecimento e o apoio da sociedade pelos resultados alcançados.
O Estado brasileiro promove a injustiça social por falta de uma convergência de interesses devido aos infinitos interesses corporativos e de grupos que, de fato, governam o país. Não se conhecem os reais interesses nacionais. Aqueles que estão acima das questões ideológicas e das paixões.
Ozires Silva relata ter ouvido em Estocolmo, de um membro do Conselho do Prêmio Nobel depois de algumas vodkas, que o Brasil ainda não recebeu nenhum Nobel porque, ao contrário de seus vizinhos, quando um nome é indicado surgem imediatamente reações contrárias e protestos vindos do próprio Brasil. E de fato isso é verdadeiro, comprovando a desorientação do país, com o corporativismo acima do interesse nacional, a falta de rumo, de nossos objetivos como nação, de convergência mínima em uma agenda essencial. De respeito aos que não podem se sentar à mesa das grandes decisões nacionais.
Na vida que segue, as mães primeiro precisam ter escola de qualidade para os filhos, do maternal à faculdade, para depois discutir detalhes do conteúdo pedagógico. Da mesma forma, na saúde, primeiro vem a necessidade de dar atendimento pleno a todos os brasileiros, depois se discutem métodos de tratamento da doença A ou B. E assim por diante, estamos diante de gravíssimos problemas de infraestrutura portuária, as condições das estradas impedem o escoamento de nossas safras, falta ferrovia, falta energia elétrica para suprir a demanda, falta água e esgoto para muita gente e, por incrível que pareça, a pauta da eleição presidencial é puramente ideológica. De alguma forma essa ilusão camufla e impede o enfrentamento dos problemas do mundo real.
Por isso, a importância de discutir a terceira via na eleição presidencial deste ano. O simples exercício dessa discussão pode nos ajudar a tatear algo que tenha a ver com uma verdadeira identidade nacional. Quais as mudanças normativas e funcionais são mais importantes para o país sair do atoleiro em que se encontra, provavelmente desde a sua fundação. Alguém poderá empunhar essa bandeira com absoluta legitimidade? Provavelmente não, mas há de plantar para depois colher. É a lei da natureza.
Para essa eleição, aparentemente não há chance para uma terceira via, exceto em caso de milagres, como o Ciro tirar um coelho da cartola como Marconi fez com o Nerso da Capitinga, ou caso o rinoceronte do zoológico se candidate e receba todos os votos de protesto como na eleição de 1959 em São Paulo. Fora isso, melhor exercitar a busca do ideal platônico.
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