TATIANA GOES - Empreendedora, economista e CEO da GoesInvest
A valorização do real em 2022 já é histórica. De acordo com o acompanhamento feito pelo FMI, a moeda brasileira foi a que mais se valorizou em relação ao dólar, entre outras 38 moedas, o que inclui euro, libra e iuan. A valorização influencia diretamente a vida de brasileiros que estão planejando viajar para o exterior, aqueles que têm contas a pagar em moedas estrangeiras e até mesmo investidores na moeda.
E esse movimento cambial abrupto contou com dois principais motivos, sendo um esperado e o outro que pegou o mundo de surpresa. O esperado foi o processo de alta dos juros iniciado pelo Banco Central em março do ano passado. Nesse período, a taxa Selic subiu de 2% ao ano para os atuais 12,75%, aumento que elevou a rentabilidade das aplicações financeiras em reais e atraiu bastante capital para cá. Tanto de estrangeiros quanto de investidores brasileiros com recursos aplicados no exterior.
Vale lembrar que as cotações do dólar no mercado financeiro estão sujeitas às mesmas leis que os preços dos legumes nas feiras-livres, por exemplo. Quando a oferta aumenta, o valor do dólar em reais cai. O motivo inesperado foi a invasão das tropas russas na Ucrânia, ocorrida no fim de fevereiro. O temor de que as hostilidades interrompessem o trânsito internacional das commodities e provocasse uma escassez de oferta elevou os preços. E o Brasil se beneficiou dessa conjuntura, pois é exportador de matérias-primas, como minério de ferro, grãos e proteína animal, que são negociados em dólares.
Mas, ao invés de ficarmos atrás dos porquês, o ideal é mirarmos na pergunta que está no centro das discussões econômicas para o segundo semestre: essa situação vai continuar ou o real vai arrefecer? Não gosto de cravar o martelo até porque prever comportamentos de moedas é uma tarefa ingrata, mas o fato é que a alta dos juros nos Estados Unidos, que já está contratada pelo banco central americano, deve reduzir a atratividade relativa do mercado brasileiro.
O mercado norte-americano é apontado como o mais seguro do mundo e, mesmo que pague um retorno menor ao investidor neste momento, os riscos são menores do que uma economia em crise e suscetível aos ventos políticos de embate, como é o caso do Brasil. Além disso, outro ponto que interfere nesse movimento de alta do dólar é o lockdown na China. O país passa por um cenário de restrição total da população em Xangai e protocolos rígidos em Pequim para conter uma nova ameaça da covid-19.
Para completar teremos uma eleição presidencial daqui a cinco meses no Brasil e essa situação sempre causa volatilidade no mercado financeiro. Senão por outros motivos, pelas dúvidas e insegurança que provocam nos investidores em relação à transição de governo e a possíveis alterações na política econômica.
Uma pesquisa realizada em fevereiro pela Amcham com 648 líderes empresariais brasileiros apontou que as eleições são o fator de maior incerteza para a economia do país em 2022. Para 62% dos entrevistados, as indefinições a respeito do cenário eleitoral, tanto em âmbito nacional como estadual, devem gerar os desafios mais importantes para as empresas ao longo do ano. A situação fiscal foi o segundo motivo mais citado, tendo 26% dos executivos expressado preocupação com o controle orçamentário menos rígido e o furo do teto de gastos. Já 12% dos participantes indicaram a pandemia como maior fator de imprevisibilidade, em razão do aumento de casos na abertura do ano e do eventual surgimento de novas variantes.
A Amcham perguntou aos empresários quais são outros aspectos de preocupação em 2022, excluídos os três fatores (eleições, risco fiscal e pandemia). Em resposta, os pontos mais indicados foram: inflação (68%), flutuação/alta do câmbio (38%), paralisação na aprovação das reformas (38%), alta da taxa de juros (31%), aumento do desemprego (27%), fuga de investimento estrangeiro direto (20%) e isolamento global brasileiro (12%).
Não dá para acalentar o mercado e responder a nenhuma dessas questões que afligem o empresariado brasileira, pois muitas variantes dependem do resultado das eleições em outubro. E isso quer dizer mais risco, e risco elevado resulta em um dólar mais apreciado. É por isso que podemos estar nos despedindo desse ciclo de valorização que teve a moeda brasileira nos últimos tempos.
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