ALMIR PAZZIANOTTO PINTO - Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Poucos devem ter ouvido o nome Kurt Erick Suckert, natural de Prato, Itália, onde nasceu em 9/6/1898, falecendo em Roma no dia 19/7/1957. Foi jornalista, dramaturgo, cineasta, militar e diplomata. Ficou célebre pelos livros A pele, Kaputt e, sobretudo, A técnica do golpe de Estado, escritos sob o pseudônimo de Curzio Malaparte e traduzidos para diversos idiomas. Estão esgotados. Quem se interessar, talvez os encontre em algum sebo.
Para Curzio Malaparte há duas modalidades de golpe de Estado. O golpe de força e o golpe tático. A história do Brasil registra a preponderância do golpe de força. Assim ocorreu em 1889 na Proclamação da República; em 1930; 1945; 1964; 1969 (o golpe dentro do golpe). Em todos, a deposição do governo foi provocada pela ruptura da ordem institucional, com violação da Constituição e emprego das Forças Armadas. Algumas tentativas de golpe não surtiram resultados, ou porque foram mal planejados, conforme aconteceu em 1935, ou porque os líderes não dispunham de efetivo apoio militar, como em 1937.
Curzio Malaparte testemunhou a Revolução de outubro de 1917 na Rússia, que depôs o czar Nicolau II (1868-1917). Para Malaparte, se Vladmir Ilych Lenin (1870-1924) foi o estrategista, o animador, o deux ex machina, a Lev Davidovich Trotsky (1879-1940), teórico da revolução permanente, se deve o desenvolvimento do golpe tático que implantou o regime bolchevista na Rússia.
O golpe de outubro de 1917 dependeu menos da força do que da astúcia. Ao invés de grandes massas, tropas, combates ou greve geral, determinaram a queda do regime czarista a desorganização social, a desmoralização do exército, batido pelos alemães na guerra de 1914, a perda de autoridade do governo imperial. Para Trotski bastaria "operar com pouca gente em terreno limitado, concentrar os esforços sobre os objetivos principais, atacar direta e duramente". Em castelhano: "Las cosas peligrosas son siempre extraordinariamente sencillas. Para triunfar no hay que desconfiar de las circunstancias desfavorables ni fiarse de las que son favorables. Hay que ferir em el vientre: eso no hace ruido" (Plaza Janes Editores, Barcelona, 1960, 21).
O presidente Jair Bolsonaro não esconde que alimenta o desejo de recorrer a golpe para se manter no poder. Provavelmente sem emprego de força. Talvez esteja convencido de que não contaria com apoio unânime das Forças Armadas. Não deixará, porém, de forjar pretexto, se perder ou correr real perigo de derrota nas eleições. Para detoná-lo contará com a sombra de comandos do Exército, Marinha, e Aeronáutica, com o cretinismo do Poder Legislativo controlado pelo Centrão, o fanatismo bolsonarista, a divisão dos partidos de centro e de esquerda, a mídia a seu serviço, a desmobilização política da sociedade recém-saída da pandemia e envolvida por problemas de sobrevivência provocados pela inflação, a desordem gerada pela alta do custo de vida e desemprego.
Do Poder Judiciário não será possível exigir resistência material. O Supremo Tribunal Federal (STF) observa ministros sendo atacados sem cessar pelo presidente Bolsonaro. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) enfrenta permanente acusações às urnas eletrônicas, alimentadas por pessoas de boa e de má-fé. As primeiras não conseguem entender que o voto eletrônico é seguro por ser sigiloso. As segundas porque participam do programa de descrédito, como instrumento da permanência de Bolsonaro à frente do poder.
Trotsky tinha razão. O golpe de estado não necessita, necessariamente, do emprego das Forças Armadas e do derramamento de sangue. Em 10/11/1937 Getúlio Vargas fez de imaginário perigo de subversão comunista, "exigindo remédios de caráter radical e permanente" o pretexto para editar a sua Constituição. Falsos pretextos voltaram a ser usados para o Ato Institucional (nº 1) de 9/4/1964, nº 2, de 27/10/1965, nº 5, de 13/12/1969 e para a decretação da Emenda nº 1 de 1969 à Constituição de 24/1/1969.
A sociedade civil deve entrar em estado de alerta. Estamos em campanha eleitoral. O Estado democrático de direito exige eleições livres de ameaças, para que a soberania do povo se manifeste por meio do "sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos" (Art. 14 da Constituição).
O povo fiscalizará o pleito. Dispensa a presença das Forças Armadas, cujas atribuições se restringem à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, à defesa da lei e da ordem. Eleições livres rejeitam a presença de equipamentos bélicos.
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