Decisões verdadeiramente polêmicas são aquelas que nem mesmo o tempo, agindo como senhor absoluto da razão, é capaz de esclarecer e apaziguar, retirando-lhes os pontos problemáticos ou nebulosos. Normalmente, essas decisões, tomadas sob à luz de determinado período histórico, pressionadas pelo clamor popular ou pelo lobby político e econômico, permanecem se equilibrando num delgado limbo, até que outras razões venham a se sobrepor, deixando o dito pelo não dito.
Entre essas questões polêmicas, cuja validade e razões, volta e meia, forçam sua rediscussão, estão aquelas ligadas à vida, à morte, à dignidade da pessoa humana, sua individualidade e privacidade,entre outras do gênero. Decisões sobre a pena capital ou pena de morte para todo o qualquer crime são sempre questões a suscitar polêmicas, afinal dizem respeito à vida humana.
É comum que países revejam casos de pena de morte, depois de anos de sua aplicação e inúmeros sepultamentos, inclusive de inocentes, tendo como justificativa, novos enfoques e outras razões que mostram a ineficácia desse método extremo no combate ao crime, ou mesmo por razões ditas humanitárias. Direito à vida ou sua antípoda, a pena de morte, em nossa sociedade moderna, quando colocadas na balança dos direitos, ora pende para um lado, ora pende para outro.
Os tempos e as vontades mudam. Em guerras, como a que ocorre atualmente na Ucrânia, o governo russo resolveu aplicar a pena de morte, indistintamente, e de forma cruel aos milhões de cidadãos daqueles país, por razões que ele aponta como estratégicas. De fato, não há direito absoluto à vida, que, em parte alguma do planeta, é respeitada. Cidadãos assaltados e mortos a toda hora nas ruas de nossas cidades não tinham o direito à vida assegurado como mandam, em teoria, as leis.
Da mesma formaw um feto ou bebê, alojado indefeso no útero materno, mesmo que, em tese, possua o direito inalienável à vida, pode ou não ter assegurado esse mesmo direito dependendo com o que pretende a mãe durante o período de gestação. Sem dúvida alguma, o aborto é e será sempre uma questão polêmica, pois envolve, nessa equação, a vida e a existência de um ser humano indefeso.
Nesse caso específico, um xeque-mate poderia, hipoteticamente, ser dado nessa polêmica, bastando que mães, daquelas mulheres que hoje defendem o aborto, fossem adeptas também dessa prática lá no passado. Quem teve direito a viver, pode em algum momento, cassar esse mesmo direito à outrem? Eis-nos diante de uma polêmica. No Brasil o aborto é permitido legalmente, desde 1940 (Lei nº 2.848), em caso de risco de vida da mulher, em caso de estupro.
Em casos mais modernos, como a constatação de que o feto é anencefálico, passou a ser também permitido a partir de 2012. São, apesar de tudo, situações polêmicas e que, de uma forma ou de outra, acabam levando essas mães a procedimentos de interrupção de gravidez, o que, sem dúvida alguma acaba acarretando diversos traumas paralelos posteriores.
Entre aqueles que defendem o direito irrestrito ao aborto, em qualquer mês de gestação, com o argumento do direto absoluto sobre o próprio corpo, curiosamente temas como a adoção de métodos preventivos e outros, capazes de evitar esse desfecho fatal, jamais são postos sobre a mesa.
De forma até surpreendente, toda essas polêmicas em torno do aborto, tanto no Brasil quanto em outros países, parecem ter ganhado ainda mais complexidade e controvérsias quando o elemento político entrou na discussão, partidarizando e ideologizando um problema que poderia ficar restrito a ambientes como ética e dignidade humana. Nessa discussões entram ainda elementos como abusos sexuais, feminicídio, abuso de drogas, gravidez precoce, abandono e outros problemas presentes tanto no Brasil, quanto em grande parte dos países subdesenvolvidos.
De um modo geral, esse é um problema de saúde pública a envolver a delicada questão do direito à vida. Queiram, ou não, os ditos progressistas, essa é uma polêmica que passou a ganhar grande expressão a partir da década de 1960, com os movimentos femininos, a emancipação da mulher, a pílula e outros avanços sociais das últimas décadas e ainda está longe de um consenso definitivo.
Agora, quem volta a entrar nesses debates polêmicos são os Estados Unidos. Depois de meio século de a Suprema Corte norte-americana aprovar o direito do aborto (Roe versus Wade de 1973), a maioria conservadora dos magistrados pode reverter a decisão, e tornar essa prática ilegal em 22 estados daquele país. Não há como negar, a presença de vida no útero com equipamentos de alta resolução em 3D. O circo por lá voltou a pegar fogo com briga feia entre os pró-choise e os pró-life, antevendo um revival dessa polêmica que, acreditava-se, abortada e morta há 50 anos.
Elementos de todos os lados dessa questão podem se estender por muito tempo ,gerando ainda essa polêmica. O que se sabe com segurança é que, no intervalo dessas cinco décadas, enquanto permaneceu a autorização ao aborto nos Estados Unidos, cerca de 65 milhões de bebês foram assassinados naquele país, segundo os números oficiais. Por outras projeções, esses números podem ser ainda expressivamente maiores. Nesse debate, como não poderia ser diferente, estão os democratas, como o presidente Joe Biden, e a sua vice, Kamala Harris, favor do aborto e, do lado contrário, os republicanos, que querem a proibição desses crimes continuados contra a vida.
Interessante ou até sinistro é registrar que aqui, na vizinha Argentina, onde o aborto foi legalizado, a defensora radical pró- aborto, Maria del Valle González López, de 23 anos, morreu após abortar legalmente naquele país, vítima de infecção generalizada e outras complicações durante esse procedimento.
Para muitos, essa morte comprova que não é apenas com a legalização do aborto que mulheres estariam seguras. A razão é simples: essa é uma verdadeira questão polêmica a arrastar-se ainda por muito tempo entre nós e que só cessará em definitivo quando o valor à vida for igualado ao valor da morte.
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