Como você reagiria se sua filha, neta ou irmã de 12 anos fosse estuprada até a morte? Talvez quisesse matar o algoz com as próprias mãos. Porém, nenhuma atitude de vingança devolveria a vida a sua pequena amada e ansiosamente esperada pela mãe por nove meses de gestação. Por mais que a notícia suscite revolta e indignação e domine a nossa mente com uma série de ideias cruéis, na verdade, não temos certeza de como reagiríamos ante o hediondo ato contra uma de nós.
Por um segundo, coloque-se no lugar dos pais da menina de 12 anos violentada e executada por um ou mais garimpeiros, invasores das terras da comunidade Aracaçá, na região Waiaká, no território do povo Yanomami, em Roraima. O homicídio, precedido de violência sexual, foi denunciado segunda-feira última (25/4), em redes sociais, pelo líder Júnior Hekurari Yanomami. Não foi o primeiro crime sexual registrado na região. Pelo menos 13 outras crianças Ianomâmi foram vítimas de atrocidades semelhantes praticadas pelos garimpeiros. Depois da agressão, elas ficaram doentes e morreram, em 2020, segundo relatório "Yanomami sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo", elaborado pela Hutukara Associação Ianomâmi.
"Não é possível calar ou se omitir diante do descalabro de desumanidades criminosamente impostas às mulheres brasileiras, dentre as quais mais ainda as indígenas, que estão sendo mortas pela ferocidade desumana e incontida de alguns", afirmou a ministra Cármen Lúcia, em sessão do Supremo Tribunal Federal. Para o presidente da Corte, Luiz Fux, o fato é "gravíssimo". A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, informou que o caso está sendo investigado.
A aldeia, onde vivia a vítima, abriga 30 pessoas e está totalmente cercada por garimpeiros, correndo o risco de desaparecer pela selvageria dos invasores. Uma horda de homens desprovidos de qualquer sentimento. Muito provavelmente, são estupradores contumazes de crianças e mulheres indefesas. Não dá para compará-los a um animal. Animais usam o falo para reprodução da espécie, da vida, e não como arma letal. Mas, entre os supostos humanos, o órgão reprodutivo se tornou instrumento de guerra, para agredir, intimidar e humilhar e até matar o que há de mais sublime para os opositores, suas crianças.
A edição do Projeto de Lei 191/2020 escancarou porteiras e derrubou cercas das terras indígenas em favor de mineradoras e garimpeiros e amparou a índole selvagem e brutal dos invasores dos espaços dos povos originários. O PL, em discussão no Congresso Nacional, ignora o que determina a Constituição de 1988, mas tem apoio dentro do Legislativo, dominado por parlamentares alheios aos interesses da sociedade brasileira e alinhados ao projeto de desconstrução de quaisquer valores humanitários que, minimamente, foram conquistados pelos brasileiros.
A indignação da ministra Cármen Lúcia reverbera igual sentimento de milhares de pessoas, mas é insuficiente para conter a marcha do genocídio contra as comunidades originárias, o patrimônio natural e quaisquer ações e bens que levem à qualidade de vida tanto dos povos da floresta quanto dos centros urbanos. Trata-se de política pública que enaltece a morte, em vez do desenvolvimento socioeconômico tão merecido pela sociedade brasileira com toda a sua pluralidade étnica-racial e cultural.
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