VIOLÊNCIA sexual

Análise: Inércia ante a barbárie

Uma menina yanomami, de apenas 12 anos, foi tão brutalmente estuprada por garimpeiros, dentro da própria terra dela e que não resistiu à violência. Uma criança, de três, desaparecida. A barbárie — denunciada pelo presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kwana (Condisi-YY), Júnior Hekurari — junta-se às de 2020. Naquele ano, três adolescentes indígenas, de 13, ficaram doentes e também morreram vítimas de abusos praticados por garimpeiros. Há relatos, ainda, do estupro de uma criança na região do Rio Apiaú.

As atrocidades são extensas. Relatório divulgado pela Hutukara Associação Yanomami apontou que, em 2021, ao menos sete crianças indígenas morreram em decorrência da ação de invasores em busca de ouro, seja por ataques deles às comunidades, seja por equipamentos que levaram para a região — em outubro, dois meninos se afogaram após serem sugados por uma draga e lançados para o meio do rio de forte correnteza, na comunidade Makuxi Yano.

Além de violência e morte, garimpeiros ilegais levam doenças, devastação e fome para territórios indígenas. Os invasores degradam a floresta e contaminam com mercúrio os rios e os peixes, uma das principais fontes de alimentos para os povos da região. Lideranças indígenas e entidades ligadas a povos originários denunciam os crimes seguidamente, mas agentes públicos, que têm o dever de garantir a proteção das comunidades, fazem ouvidos moucos. É na inércia praticamente total das autoridades que se fiam os garimpeiros ilegais. Eles fazem o que querem, porque sentem que podem. Agem com a certeza da impunidade.

E a situação tem tudo para piorar, porque a atual gestão deste país não esconde o interesse em tolher prerrogativas dos povos originários. O governo insiste, por exemplo, na aprovação do projeto de lei que libera mineração, exploração de gás e petróleo, produção do agronegócio, instalação de usinas e abertura de estradas em terras indígenas. A proposta está em tramitação na Câmara e ganhou status de urgência.

O novo marco temporal também está na mira do Executivo federal. O presidente já insinuou que não pretende cumprir eventual decisão favorável do Supremo Tribunal Federal à ampliação da demarcação de terras indígenas no país. Atualmente, os povos originários só podem requerer territórios se comprovarem que os ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Como se vê, a violação dos direitos indígenas começa de cima.

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