O foco do governo na reeleição do presidente Jair Bolsonaro e os radares políticos voltados para as sucessivas crises estão cegando o debate sobre uma realidade cruel e que pode nos condenar a muitos anos de baixo crescimento econômico: os efeitos perversos da inflação alta e da queda da renda dos trabalhadores, que resultam no aumento da desigualdade social, com o crescente empobrecimento da população brasileira.
A pobreza cresce a olhos vistos nas grandes capitais, onde o número de pessoas em situação de rua se multiplicou desde o início da pandemia de covid-19, com governos fazendo vistas grossas para um problema social que tende a se agravar e demandando cada vez mais o pagamento de auxílios emergenciais, paliativo que consome recursos do Orçamento sem apresentar uma solução estrutural para a situação degradante de mais de 220 mil brasileiros.
Números oficiais em relação ao ano passado ainda serão divulgados, mas não faltam levantamentos mostrando a depauperação da sociedade, em que 1% dos mais ricos concentra quase 30% de toda a renda gerada no país, segundo dados de 2019 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), segue firme. E a inflação, que em março chegou a um acumulado de 11,3% em 12 meses, agrava essa concentração, uma vez que a população com maior poder aquisitivo continua tendo disponibilidade de renda para multiplicar o dinheiro, apesar de também conviver com o aumento das despesas, enquanto os mais pobres estão se endividando para dar conta de gastos diários. O Brasil continuará mantendo o título de uns dos países com maior desigualdade do mundo.
Estudo de pesquisadores da PUC-RS do Observatório das Metrópoles e da Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina, com base em dados da Pnad Contínua, mostra que a renda per capita dos brasileiros atingiu o menor nível em 10 anos no terceiro trimestre de 2021, chegando a R$ 1.378, pouco mais do que o salário mínimo de R$ 1.212 em vigor hoje e equivalente a três vezes do valor de R$ 400 do Auxílio Brasil. A ajuda do governo é paga hoje a pouco mais de 17 milhões de famílias, o que representa um contingente de 68 milhões de brasileiros, considerando uma média estatística de quatro pessoas por família. Pouco provável que um burocrata do Ministério da Economia consiga imaginar o que é viver com tão pouca renda.
Esses números explicam o fato de 33,8 milhões de brasileiros viverem hoje com menos de um salário mínimo por mês em 2021, conforme revela levantamento da LCA Consutores com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em um ano, 4,4 milhões de pessoas passaram a conviver com renda mensal abaixo de R$ 1.212. O contingente é o maior em quase 10 anos. E o quadro não é muito melhor para a maioria dos trabalhadores contratados formalmente. Estudo do Dieese sobre os reajuste salariais em 2021 mostra que 52% dos reajustes com data-base em março não repuseram a inflação de 10,8% em 2021, 34% tiveram correção apenas pelo INPC e só 13,9%, 'ganho real, jogando para baixo a renda do trabalho.
No cenário do empobrecimento da população, o Brasil convive com uma taxa de desemprego de dois dígitos e 12 milhões de trabalhadores em busca de trabalho. Conta ainda com cerca de 50 milhões de pessoas vivendo em situação de pobreza, sendo que destes, 12 milhões vivem em extrema pobreza, com renda per capita de R$ 155 por mês. É esse quadro que, no fim das contas, representa menos educação, menos qualificação de trabalhadores, menos capacidade de consumo e mais gastos com saúde, segurança pública e com auxílios emergenciais, vai condenar o Brasil a um baixo crescimento econômico, enquanto esse imenso número de brasileiros seguirá apenas sobrevivendo. Com denúncias de corrupção se multiplicando e o presidente Jair Bolsonaro se mostrando mais preocupado em criar polêmicas e com sua reeleição, o governo não esboça nenhum programa ou ação para mudar esse quadro, que nos condena a um retrocesso social.