Orlando Thomé Cordeiro - Consultor em estratégia
Nas eleições de 2018 e 2020, assistimos ao surgimento de inúmeras candidaturas que, em razão de sua atuação nas redes sociais, foram vitoriosas nas urnas. Uma parte significativa surfou na onda bolsonarista, fazendo publicações em que as mensagens de ódio e de contestação violenta do status quo eram as principais características.
No exercício dos mandatos, são useiros e vezeiros em invadir equipamentos públicos como hospitais e escolas com a justificativa de verificar se os servidores públicos estavam trabalhando. Os vídeos e imagens ali gravados são sempre emoldurados por discursos sensacionalistas e moralistas.
No plano federal, o STF tem sido um local escolhido frequentemente por essa turma. Campanhas orquestradas exigindo cassação de ministros ou fechamento da corte continuam a proliferar.
Para completar o quadro, fake news são criadas e disparadas de forma sistemática por pessoas reais e robôs. Não é trivial o que essa gente tem realizado de ataques à democracia liberal.
Porém, nas últimas semanas, tivemos a oportunidade de acompanhar o desdobramento dos casos envolvendo dois parlamentares reincidentes nesse tipo de comportamento. Refiro-me ao (ainda) deputado estadual Arthur do Val e ao (ainda) vereador Gabriel Monteiro.
Graças ao papel desempenhado pela grande mídia e a pressão nas redes sociais, os dois caminham para serem cassados com a mesma base legal: quebra do decoro parlamentar. Confirmando que muitas vezes o feitiço vira contra o feiticeiro, ambos foram alcançados a partir de vídeos e áudios vazados por usuários de suas redes sociais, amigos e assessores.
O paulista, em uma ação midiática, anunciou uma viagem à Ucrânia com o pretexto de prestar solidariedade ao povo daquele país. Fez questão de dizer que iria até lá para verificar a realidade da guerra. Afinal, sendo um dos youtubers que mais faz questão de desqualificar a imprensa, somente indo até lá seria possível divulgar a verdade sobre a situação para seus seguidores.
Só que, revelando sua verdadeira face, enviou de lá um áudio que só confirmava a sordidez de seu comportamento machista e misógino. Não foi a primeira vez que teve essa atitude. Diante da repercussão negativa, declarou-se profundamente arrependido. Na volta ao Brasil concedeu entrevistas, fez pronunciamentos, desistiu de ser candidato a governador e prometeu que sequer tentaria a reeleição. Fez caras e bocas tentando passar uma imagem de bom moço, mas nada como um dia após o outro com a noite no meio.
Assim que a Comissão de Ética da Alesp aprovou, por unanimidade, a abertura do processo de cassação, sua declaração foi: "Se cortarem a minha cabeça, vai (sic) nascer três no lugar. A gente sabe que não é sobre o que eu falei e sim sobre quem eu sou". Ou seja, como todo mundo já sabia, seu dito arrependimento era apenas jogo de cena. Confirmada sua cassação, será uma vitória da democracia, mas, acima de tudo, das mulheres. Afinal, há pouco mais de um ano, esse mesmo parlamento passou pano para o assediador Fernando Cury que, apesar de suspenso por seis meses, merecia destino igual ao prometido para Arthur do Val.
Já o vereador carioca foi alvo de inúmeras denúncias: vídeo de sexo com adolescente, assédio sexual e moral, vídeos forjados, fraude processual, estupro, violação dos direitos de criança, uso de servidores para edição de vídeo e escolta. Não faltam motivos para sua cassação e tudo indica que será essa a decisão do plenário, após o Conselho de Ética da Câmara do Rio ter decidido, por unanimidade, abrir uma representação disciplinar contra ele.
Bolsonarista convicto, o vereador migrou recentemente para o PL, mesma legenda do presidente. Pretendia se candidatar a deputado federal, e o partido contava com ele como um dos mais votados, mas agora já é dada como certa sua expulsão.
Ou seja: esses dois exemplos recentes trazem alguma esperança, mas é indiscutível que as bancadas parlamentares eleitas para as câmaras municipais e o Congresso Nacional são, majoritariamente, de baixa qualidade. Seus mandatos foram obtidos com base em uma campanha na qual se apresentavam como legítimos representantes da "nova política", líderes da luta antissistema. Tudo mentira!
Em outubro, teremos eleições para o Congresso Nacional e assembleias estaduais. É a oportunidade de varrermos da política figuras deletérias como essas, elegendo candidatos que, independentemente da filiação partidária, sejam comprometidos com os valores democráticos, a ética e a honestidade. Precisamos reparar os estragos trazidos pela onda iniciada em 2018.