Na mitologia grega, a Hidra de Lerna aparece como um monstro com corpo de dragão e várias cabeças de serpente, que habitava o grande pântano da Argólia. Quando cortada uma de suas cabeças, outras nasciam em seu lugar, o que significava ser esse um monstro impossível de ser vencido pela força humana.
Para alguns historiadores, essa seria uma alegoria que tentava explicar doenças como aquelas transmitidas por moscas ou mesmo pela água contaminada que matavam as pessoas por infecções microscópicas, bacteriológicas e outras enfermidades desconhecidas naquele período. De qualquer forma, a lenda dessa besta sobreviveu por dezenas de séculos, querendo significar ou reafirmar as limitações humanas frente a um problema, que, por suas características, se encontra num nível inalcançável para as pessoas comuns.
Tal ideia figurada pode muito bem ser transportada para os tempos atuais, em nosso país, para explicar a complexidade e mesmo a tarefa monumental que o combate à corrupção requer das forças humanas, uma vez que sua origem e defesa é feita justamente por pessoas poderosas e de grande preponderância junto aos governos. O cidadão comum, mesmo diante do entendimento de que essa é uma urgência nacional, se vê incapacitado e mesmo impendido de lutar contra esse monstro de múltiplas cabeças.
A corrupção, ao adquirir um status de problema sistêmico, se transformou numa Hidra de Lerna moderna que, se não for dizimada a tempo, fará toda a nação de vítima. Suas várias cabeças representam os diversos estamentos dentro da máquina do Estado, dominados e infectados por esse monstro.
Quando se combate um, outro nasce em seu lugar, tornando essa tarefa um trabalho apenas para os deuses. No nosso caso particular, esses deuses, ou pessoas extraordinariamente capacitadas para combater essa praga existiram por um breve período de tempo, mostrando ser possível enfraquecer e até matar essa Hidra que hoje habita o pântano da Praça dos Três Poderes.
Trata-se de uma tarefa sobre-humana ou, mais precisamente, suprapartidária. A questão é que todo esse trabalho tem, necessariamente, que ser iniciado dentro do Congresso, com a formação de uma bancada numerosa e disposta a pôr um fim ao monstro.
Ao que os brasileiros assistem hoje, entre inertes e impotentes, é a resistência ao combate a essa praga e até a sua defesa aberta, vinda justamente de quem menos se podia esperar esse comportamento malsão. Unidos nesse desidério estão todos os Poderes da República, com o Judiciário na frente, e o Legislativo e o Executivo na retaguarda. As várias cabeças dessa Hidra são compostas ainda por empresários envolvidos na Lava-Jato e os mais caros escritórios de advocacia do país, o Tribunal de Contas da União (TCU). Há poucos dias, o ainda candidato e um dos paladinos no combate à corrupção Sergio Moro denunciou a trama que vem sendo levada a cabo para anular todas as sentenças oriundas da Operação Lava-Jato.
Aos poucos, cada procurador que atuou contra os poderosos vão sendo premidos contra a parede. Pedidos de indenização em dinheiro por supostos abusos são facilmente referendados pela Justiça, como foi o caso da recente envolvendo Deltan Dallagnol e o chefão petista. Agora, novamente o TCU move ação contra Dallagnol por gastos em diárias durante a execução da Lava-Jato. Para ele, o que Tribunal de Contas está mostrando com essa decisão é que se tornou absolutamente perigoso combater a corrupção no Brasil. Além disso, toda essa movimentação de procuradores, indo e vindo de diversas partes do país, possibilitou a recuperação de mais de R$ 15 bilhões desviados por essa sofisticada quadrilha formada por políticos e empresários.
Até este mês, R$ 25 bilhões, não corrigidos haviam sido recuperados graças à atuação dos antigos procuradores da Lava-Jato, sendo que a Petrobras é uma das maiores beneficiárias dessa devolução. Para Deltan, qualquer cálculo simples de economicidade pode provar que a Lava-Jato foi boa para o país. Na opinião dele, o que há em todo esse processo, é uma clara retaliação e intimidação aos antigos procuradores. Querem, por todos os meios, caçar direitos políticos e punir quem ousou investigar poderosos da República.
A mensagem recebida pelos brasileiros que, bestificados, acompanham essas ações tortas é de que, futuramente, ninguém ouse combater a corrupção. Dallagnol diz que essa luta contra os corruptos só terá efetividade caso a população consiga eleger uma grande bancada dentro do Congresso comprometida com o combate à corrupção, o fim do foro privilegiado, o fim dos fundos partidários e eleitorais, a prisão em segunda instância e outras pautas de interesse da ética pública.