Jornal Correio Braziliense

Artigo

Fábio Grecchi: Bichos ferozes

Dias atrás, no noticiário da invasão russa na Ucrânia, um site com credibilidade publicou matéria afirmando que as forças ucranianas estavam recusando voluntários brasileiros. O motivo é ridículo se não fosse sério: fanáticos por redes sociais, os poucos que por lá estavam postavam com frequência imagens de si mesmos pesadamente armados, supostamente prontos para o confronto. O problema é que, a cada publicação, as tropas cibernéticas russas captavam os sinais emitidos pelos soldados celebridades. Foram acusados de terem facilitado a morte de civis e soldados, vítimas de ataques inteligentes a partir da localização de celulares.

Segundo a reportagem, os brasileiros que foram se ombrear aos ucranianos são ex-militares ou instrutores de tiro. Talvez acreditando que a experiência em exercícios lhes daria capacidade para lutar uma guerra de verdade, viram que há uma distância brutal quando, do outro lado, há uma potência militar. Além de soldados regulares bem armados, amparados pelo que há de melhor em tecnologia da informação, os russos ainda contam com mercenários experientes — veteranos da Síria e da Chechênia, vários recrutados pelo Grupo Wagner, tropa paramilitar que viria atuando, com o beneplácito de Vladmir Putin, em território ucraniano desde a anexação da Criméia.

Assim que Jair Bolsonaro chegou à Presidência, explodiram nas redes sociais perfis nos quais homens e mulheres, policiais ou não, se exibem com armas de grosso calibre. Tornou-se sinônimo de macheza, de virilidade, de coragem, até de sensualidade. Mas a mensagem é a da intimidação.

O atual governo facilitou imensamente a compra de armas e munição, numa intenção clara de promover a balbúrdia ao estimular a formação de grupos de apoiadores violentos. Pouco importa se grande parte desses valentes seja guerreiro de estande. Ninguém paga para ver quando, do outro lado, tem alguém com uma automática em punho ou manejando um fuzil.

A rejeição de brasileiros por ucranianos, que não precisam de combatentes desqualificados — para isso bastam os civis convertidos em resistência — , diz muito sobre nosso país hoje. Mostra um grau de violência, despreparo e arrogância que cabem num filme de Stallone, mas são incompatíveis com a vida em uma sociedade civilizada. Um homem armado que usa mal o aparato que tem nas mãos ou crê que para se engajar em um conflito armado basta ter uma pífia experiência, é um perigo. Estará sempre mais perto de cometer um crime do que de defender a si ou a alguém.

Chega de bichos ferozes — como os do samba cantado pelo magnífico Bezerra da Silva.