Editorial

Visão do Correio: Sem trégua da inflação

O Banco Central brasileiro aumentou a taxa básica de juros (Selic) de 2% para 11,75% ao ano num espaço de 12 meses. Nunca se viu um aperto monetário tão forte em curto espaço de tempo desde a adoção do regime de metas de inflação, em 1999. Apesar desse arrocho, o custo de vida não dá trégua. Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) atingiu, em março, 1,62%, o nível mais elevado para o mês em 28 anos. No acumulado de 12 meses, a carestia chegou a 11,30%, indicador sem precedentes desde 2003. O quadro é tão dramático que, apenas nos primeiros três meses de 2022, a inflação de 3,20% consumiu quase toda a meta perseguida pelo BC para o ano, de 3,50%. Os sinais de descontrole dos preços são evidentes.

A alta de inflação é um fator mundial, reflexo da pandemia do novo coronavírus e, agora, da guerra na Ucrânia, grande produtora de grãos, como milho e trigo. Contudo, no Brasil, a situação é mais aguda, dado o histórico do país. Foi somente depois de três décadas e de muitos planos econômicos fracassados que a economia se livrou da hiperinflação. Qualquer descuido pode fazer com que a velha senhora retorne com força.

A carestia é cruel com os mais pobres, que não têm como se proteger da remarcação generalizada de preços, como se viu em março. Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados pelo IBGE, oito apontaram alta. Entre os alimentos, praticamente tudo ficou mais caro, com tomate (31,7%), cenoura (27,2%), leite (9,3%), óleo de soja (8,9%) e pão francês (2,9%) puxando a lista. Além da questão climática, pesou o mega-aumento dos combustíveis, que encareceram os fretes e, sozinhos, responderam por um terço do IPCA.

A força da inflação surpreendeu governo e especialistas: esperava-se um índice de 1,33% no mês passado. Diante disso, os economistas trataram de revisar as projeções para o ano, que, agora, encostam em 8%, mesmo com a esperada queda das tarifas de energia elétrica a partir da metade de abril, por causa do fim da taxa extra. O resultado disso será o aumento ainda mais forte da taxa de juros. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, vinha dizendo que a alta da Selic se encerraria na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), no início de maio, com uma última subida de um ponto percentual, para 12,75%. Juros maiores significam menos crescimento, desemprego maior e renda em baixa.

O recrudescimento da inflação está destruindo o orçamento das famílias. A perspectiva é de que, na melhor das hipóteses, o IPCA volte a ficar abaixo de dois dígitos em agosto, às vésperas das eleições. Na hora de depositar os votos nas urnas, certamente os eleitores vão sentir o bolso apertado, e isso influenciará suas escolhas. Aqueles que quiserem vencer as disputas terão de assumir compromissos muito fortes com o controle do custo de vida. Escaldados, os brasileiros não se deixarão enganar por promessas populistas. A inflação é um imposto perverso, que desorganiza a economia. Ninguém quer assistir de novo ao filme de terror que atormentou várias gerações. Que o bom senso prevaleça.

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