ANÁLISE

Visão do Correio: 'Hora de cautela contra a covid-19'

O Brasil encerrou março com novo avanço no combate ao coronavírus. E, mais uma vez, com o presidente Jair Bolsonaro colocando no centro do debate a questão sobre se chegou ou não a hora de o país mudar o status da crise sanitária de pandemia para endemia, mesma classificação dada hoje à influenza. Essa discussão começou na Europa, logo no início de fevereiro. A Espanha foi a primeira a adotar a medida, logo seguida por Dinamarca, França e Reino Unido.

Hoje, o tema é abordado por cientistas nos Estados Unidos, onde os números de infecções e óbitos por covid-19 estão em queda acelerada. No país, autoridades sanitárias vêm abolindo gradualmente o uso obrigatório de máscaras tanto em espaços abertos quanto em ambientes fechados, mas com rigoroso monitoramento da situação epidemiológica de cada região antes de determinar a medida.

No início de março, a exigência da proteção facial havia sido flexibilizada em mais de 70% do território americano. As restrições ainda persistem em casos como o de transportes aéreos, mas sob forte pressão do setor para que o acessório deixe de ser obrigatório a bordo das aeronaves. Nos EUA, a norma que estabelece as regras sobre o uso de máscaras tem validade até 18 de abril. Nessa data, existe a expectativa de que a flexibilização seja ampliada e inclua as viagens aéreas.

Logo, além da reclassificação da pandemia, a questão da máscara em aviões deve entrar na ordem do dia no Brasil. A exigência já foi flexibilizada por países como Reino Unido, Irlanda do Norte, Noruega e Barbados. Para defender essas medidas, o governo brasileiro lançará mão de dados como o avanço da vacinação no país, a queda contínua no número de casos e de mortes relacionados à covid-19 nos últimos dois meses e a necessidade de retomada da economia.

É fato que os indicadores de gravidade da covid-19 vêm regredindo semana a semana no país. Na última sexta-feira, por exemplo, o acompanhamento independente feito por consórcio de veículos de imprensa registrava média móvel de 24.533 casos da doença nos últimos sete dias (era de 32.069 no mesmo dia da semana anterior), enquanto a média de mortes recuou para 206, a menor desde 18 de janeiro, quando estava em 186.

Quanto à vacinação, o Planalto costuma celebrar o fato de haver ultrapassado os Estados Unidos, que começou a imunização primeiro — e dispõe de doses de sobra em estoque —, mas onde o percentual de vacinados hoje é inferior ao do Brasil. Aqui, mais de 80% da população com 5 anos ou mais concluíram o ciclo vacinal (tomaram duas doses ou mais). Numa comparação mais direta, baseada em dados do site Our World in Data, até 29 de março, 75,6% dos brasileiros estavam completamente vacinados. Entre os americanos, a taxa era de 66,1%.

No entanto, quando se compara o rigor com que cada país faz o acompanhamento da situação epidemiológica, os Estados Unidos estão léguas à frente do Brasil. Enquanto os EUA fazem testagem em massa para monitorar a disseminação do vírus, aqui, esse controle praticamente inexiste. Lá, qualquer surgimento de novas variantes e surtos são rapidamente identificados. Aqui, quando isso ocorre, a nova cepa, geralmente, já está altamente disseminada.

Daí por que cientistas brasileiros não veem segurança para a reclassificação da pandemia neste momento. E insistem: é preciso ampliar a vacinação e ter muita cautela na flexibilização da máscara, que são, praticamente, os únicos instrumentos disponíveis no país para frear a covid-19. Medidas apressadas, insistem, podem acabar atrapalhando o combate ao coronavírus e retardar a saída do Brasil da crise sanitária.

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