Editorial

Visão do Correio: O Centrão dá as cartas no Brasil

O resultado da janela partidária, período em que deputados e senadores podem mudar de partido sem perderem os mandatos, reflete, claramente, o poder do Orçamento secreto, de mais de R$ 16 bilhões somente neste ano, que vem sendo manejado com maestria pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Dos quase 100 políticos que, até o meio da tarde de ontem, haviam trocado de legenda ou se filiaram pela primeira vez, mais da metade se concentrou nas três agremiações que integram o grupo mais fisiológico do Congresso: PL, PP e Republicanos. Eles apostam que podem tirar proveito da bilionária quantia para tentar impulsionar suas candidaturas. Também contam com o apoio do governo, ao qual o Centrão dá suporte, para obterem votos suficientes que lhes garantam mandatos nos próximos anos.

O Orçamento secreto, ou emenda de relator, é uma excrecência, que não tem a menor transparência. Mesmo o Supremo Tribunal Federal (STF) tendo dado prazo para que o Legislativo informe como os bilhões de reais são distribuídos, até agora nada foi divulgado. Há uma conivência explícita entre deputados e senadores para que tudo continue sendo feito nas sombras. O importante é que o dinheiro chegue às bases eleitorais dos privilegiados, de forma a fisgar os cidadãos antes de irem às urnas. É o que os políticos consideram um modelo mais eficiente para garantir os votos de cabresto. Nada muito diferente do coronelismo que imperou por décadas no Brasil.

Não é possível que esse mecanismo continue a prevalecer de maneira tão escancarada, com a sociedade e o Judiciário assistindo a tudo sem nada fazer. O Orçamento secreto, do jeito que está estruturado, deixa qualquer governo refém do Centrão. Se não houver mudanças, o futuro presidente do país, independentemente de sua ideologia, terá de se render às chantagens desse grupo fisiológico. Pior, assumirá ciente de que não terá poder para direcionar verbas para áreas que considerar prioritárias, como saúde e educação. Isso será decidido pelos caciques do Centrão, que, nos dois últimos anos, se empanturraram com quase R$ 40 bilhões em emendas do relator.

O caminho para a formação de um Legislativo diferente e preocupado com o bem-estar coletivo depende dos eleitores. Por meio do voto consciente, é possível romper com o fisiologismo, próprio daqueles que não têm compromisso com o Brasil nem com a sociedade. Contudo, é impossível esperar da maioria dos eleitores que repudie esses grupos, cujas máquinas estão arraigadas, estruturadas para cooptar cidadãos com pouca consciência política. Os brasileiros, infelizmente, se encantam por promessas vazias e se contentam com a construção de uma quadra mal acabada de esportes, quando deveriam exigir que as verbas públicas fossem direcionadas a projetos realmente importantes, que garantirão melhores condições de vida e um futuro digno para todos.

O Centrão, que se pensava enfraquecido depois de toda a campanha de 2018, na qual a chamada velha política era a grande vilã, recuperou as forças e se apoderou de um naco relevante do Orçamento da União. O mais impressionante é que a revitalização desse grupo ocorreu em um governo eleito com a promessa de jamais se associar ao modelo que prevalecia até então. Não só se aliou a ele, como o fortaleceu. Quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgar o saldo final do troca-troca partidário, a única certeza que ficará é a de que o Centrão está dando as cartas no Brasil. Um atraso sem precedentes.

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