Orlando Thomé Cordeiro - Consultor de estratégia
Hoje o Brasil foi sacudido por uma notícia bombástica: Lula admitiu abrir mão de sua pré-candidatura para começar a trabalhar em prol da unidade da oposição a Bolsonaro. Em nota divulgada à imprensa, ressaltou que, "aos 76 anos, depois de refletir bastante, cheguei à conclusão que a defesa da democracia é maior que qualquer projeto eleitoral ou partidário".
Ao tomarem conhecimento desse surpreendente gesto, Ciro, Doria, Leite, Simone, D'Ávila resolveram procurar o ex-presidente propondo que todos se sentassem à mesa com o objetivo de construírem, em conjunto, uma agenda programática mínima como primeiro passo para a definição de quem disputaria a Presidência em nome do grupo, sem veto prévio a ninguém.
Outro que se mostrou muito animado foi Kassab, até porque todas as suas tentativas de emplacar uma pré-candidatura se frustraram, colocando em xeque a fama de bruxo que o acompanha desde que saiu do DEM para fundar o PSD em 2011. Defensora recorrente da ideia de que um programa deve preceder a escolha de nomes, Marina Silva se colocou à disposição para ajudar no processo.
Roberto Freire, Paulo Hartung e Eduardo Jorge saudaram entusiasticamente a iniciativa por contemplar o que vinham defendendo há muitos meses. Cristovam Buarque e Randolfe Rodrigues, que haviam aderido à pré-campanha do petista, também aplaudiram a decisão de se buscar uma unidade oposicionista.
Os apoiadores de Bolsonaro, igualmente surpreendidos, rapidamente foram às redes sociais para desqualificar o movimento. Numa reação marcada por perplexidade e ódio, começaram a compartilhar imagens e fake news, provavelmente produzidas pela equipe do filho 02, tentando mostrar que os atores acima, além de comunistas, teriam sido beneficiários dos esquemas de corrupção desvendados pela Lava-Jato.
Já os psolistas entraram em campo para dizer que Lula estava traindo a classe trabalhadora, sendo acompanhados pelas tendências radicais do PT. E Boulos declarou que vai reavaliar a retomada da disputa pelo governo de SP. Você acreditou? Desculpe, mas hoje é 1º de abril.
Infelizmente, Lula não encarna o estadista que a conjuntura política exige. Continua buscando a adesão incondicional à sua campanha, com base na narrativa "confie em mim porque sei como fazer" e ostentando a condição de salvador da pátria.
Muita gente poderá questionar por que um favorito nas pesquisas deveria abrir mão da disputa. Sem tirar a razão de quem pensa dessa forma, o que está em jogo é termos a capacidade de pensar o processo político para além das eleições. Afinal, não podemos correr o risco de encararmos mais quatro anos desse governo.
Alguém duvida que, se Lula for eleito sem mudar sua postura atual, nosso país viverá mais quatro anos de instabilidade política e econômica? O bolsonarismo fará uma oposição renhida e desestabilizadora, contando com a ajuda de uma bancada parlamentar forte o suficiente para criar dificuldades ao governo.
Por isso, seria imprescindível que o líder das pesquisas tomasse a iniciativa de buscar uma articulação para construir uma ampla aliança eleitoral que apontasse na direção de uma futura coalizão governamental capaz de preservar a democracia, resgatar a economia e promover a pacificação do país. E tal situação só seria possível a partir da elaboração conjunta de um programa mínimo que contemplasse a maior parte das forças políticas que se opõem a Bolsonaro. Poderia se inspirar nos recentes exemplos de Israel e Alemanha.
Porém, lamentavelmente, a campanha petista caminha em sentido oposto. Um exemplo é a chantagem em curso contra setores oposicionistas, atribuindo-lhes a responsabilidade por uma eventual reeleição do presidente, particularmente diante da tendência de crescimento de Bolsonaro apontada nas últimas pesquisas.
Ora, se, como afirmam, o mais importante é derrotar o presidente nas urnas, por que não tomar a inciativa de promover uma verdadeira concertação? A resposta pode estar na história do PT. Foi assim em 1985, quando preferiram se isolar ao proibir o voto em Tancredo Neves contra Maluf no Colégio Eleitoral. Ou quando condenaram a Constituição cidadã em 1988. E ao se recusarem a compor um governo de transição sob a liderança de Itamar Franco, após a vitoriosa campanha unificada que levou ao impeachment de Collor. Ou seja, se não puderem ser os donos da bola, preferem a derrota. Ainda dá tempo de mudarem o comportamento, mas receio que, no limite, prefiram ver o presidente reeleito em vez de abrirem mão da prática hegemonista. A conferir o que prevalecerá.