ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
Quando o rei D. Manoel III decidiu criar a primeira capital na América portuguesa, em 1549, ele convocou o arquiteto Luís Dias, que tinha feito importantes trabalhos na Índia, para planejar o centro urbano que receberia o governador-geral do Brasil, Tomé de Souza. Salvador foi a primeira cidade planejada no Brasil.
Seu planejador utilizou os desníveis naturais e criou a cidade baixa, onde ficariam os serviços do porto, os funcionários da alfândega e os escravos, que faziam subir e descer, no que foi o precursor do elevador Lacerda, os materiais necessários para o pessoal que morava na cidade alta, no conjunto chamado de Pelourinho.
Nada no Brasil aconteceu por acaso. O Estado surgiu antes da sociedade. E a primeira cidade foi planejada para receber o governador-geral, o bispo e o representante do poder militar. Esse modelo foi reproduzido na maioria das cidades brasileiras. Há uma longa história de cidades planejadas no Brasil. Uma delas, bem conhecida, é a de Belo Horizonte, que foi oficialmente inaugurada em 12 de dezembro de 1897 pelo presidente da província de Minas Gerais, Crispim Bias Fortes. A cidade foi construída em cinco anos, obedecendo ao desenho do engenheiro Aarão Reis, que chefiou a comissão técnica destinada a construir a capital e providenciar meios para que fosse transferida de Ouro Preto.
Quando foi inaugurada, há 125 anos, Belo Horizonte tinha cerca de 10 mil habitantes. Hoje, segundo o mais recente censo demográfico, possui 2,5 milhões, um dos maiores
conglomerados urbanos do país. Outro exemplo interessante é a cidade de Goiânia, inaugurada em 24 de outubro de 1933 pelo presidente da província de Goiás, Pedro Ludovico, dentro do plano do governo Vargas chamado de Marcha para o Oeste. A antiga capital era Goiás Velho. Foi nesse movimento que também surgiu a colônia agrícola de Ceres, no norte do estado, em 1941. Goiânia, totalmente planejada, possui, segundo o último censo, 1,6 milhão de habitantes. É uma potência regional e uma das principais referências do agronegócio do Brasil.
Há outros exemplos interessantes. Outra cidade planejada, de história pouco conhecida, é Teresina, no Piauí. A antiga capital era Oeiras, mas, quando a capitania foi desmembrada do Maranhão, em 1718, começou o movimento para colocar a capital nas margens do Rio Poti. A capital foi oficialmente transferida em 16 de agosto de 1852. O presidente da província do Piauí, o conselheiro José Antônio Saraiva, planejou a nova cidade, que recebeu o nome de Teresina, numa homenagem à Imperatriz Teresa Cristina. É a contração dos primeiros nomes da senhora do Imperador Pedro II.
No desfilar de cidades planejadas, surge interessante exemplo no Nordeste. A primeira capital de Sergipe era São Cristóvão. O governador Inácio Joaquim Barbosa, oficialmente transferiu a cidade para a beira do oceano, em Aracaju, em fevereiro de 1855. O plano diretor da cidade foi concebido pelo engenheiro Sebastião José Basílio Pirro. A cidade é sempre uma representação da conquista, da vitória do agente dominador.
No Brasil do século 19 havia um grande vazio a ser conquistado. O país original era aquela estreita faixa de terra delimitada pelo tratado de Tordesilhas (1494). Os bandeirantes caminharam para oeste sem reconhecer limites. Partiram de São Paulo e alcançaram o atual estado de Rondônia, chegaram à fronteira com a Bolívia, depois de passar por diversas localidades lançando os ingredientes da colonização.
O novo país, duas vezes maior que o original, foi dimensionado pelo Tratado de Madri, de 1850, admirável trabalho diplomático por Alexandre de Gusmão, que operou na Europa para conseguir o reconhecimento do novo território nacional. A construção de Brasília, pelo presidente Juscelino Kubitschek, em mil dias, está dentro dessa política nacional. Brasília foi planejada pelo gênio de Lucio Costa, um brasileiro nascido em Toulon, na França, com obras de arte de Oscar Niemeyer, jardins de Burle Marx. A cidade é uma joia arquitetônica.
Mas do ponto de vista político completou a marcha para o oeste e integrou o Brasil. Abriu o território para os brasileiros. Fez surgir a oportunidade do agronegócio. Agora, 62 anos depois, o Distrito Federal, com mais de 3,1 milhões de habitantes, transformou-se em importante polo regional de desenvolvimento. JK revelou um novo país. Os governos brasileiros tinham projetos e metas. Hoje, se contentam em conduzir políticas de gabinete e propor reformas pontuais. Não há mais estadistas. Restaram burocratas, fardados ou não, incapazes de enxergar além do horizonte.
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