No último dia 19, data consagrada ao índio, o cruel assassinato do líder indígena Galdino Jesus dos Santos, da etnia Pataxó Hã Hã Hãe, completou 25 anos. Ele foi incinerado quando dormia em um banco de parada de ônibus, entre as quadras 503 e 504 da W3 Sul, por cinco jovens de famílias ricas do Lago Sul. Os matadores jogaram gasolina no cobertor que agasalhava Galdino e atearam fogo.
A vítima teve 95% do corpo queimado e não resistiu. Morreu dias depois, no Hospital Regional da Asa Norte. Presos, os delinquentes disseram às autoridades policiais supor que era um mendigo, como se a miséria destituísse alguém da condição de humano. Hoje, os assassinos estão livres, com a ficha limpa, e ocupam bons cargos no serviço público federal e distrital.
A atrocidade contra Galdino não resultou em nenhuma mudança na forma de relacionamento do Estado com os povos originários, cujas terras foram invadidas pelos colonizadores e continuam sendo alvo da ganância de latifundiários, mineradoras, garimpeiros e desmatadores. Os tímidos avanços estabelecidos pela Constituição de 1988 estão longe de ser realidade. Pelo contrário. Não cessam as tentativas e atos concretos de esbulho dos seus territórios, além de assassinatos e práticas de violência sexual contra mulheres e crianças, drogadição de homens e jovens dos povos originários.
As políticas públicas são de estímulo à ocupação criminosa das terras indígenas, sob a indiferença da Fundação Nacional do Índio (Funai). Embora a violência no campo, de modo geral, venha aumentando desde 2016, nos últimos três anos, foram registrados 5.725 embates, segundo o estudo Conflitos no Campo, Brasil 2021, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à Igreja Católica. Os indígenas e os quilombolas têm sido os principais alvos da pistolagem ou agromilícia. Por ações de garimpeiros, em 2021, foram registradas 101 mortes em terras yanomami, em Roraima. A matança de indígenas, quilombolas e posseiros correspondem a 317, 210 e 209 vítimas, respectivamente.
Assim como ocorreu com Galdino, calcinar os povos indígenas por métodos diferentes e substâncias que, necessariamente, não sejam a gasolina, são os métodos atuais. Entre eles, está o envenenamento de rios, lagos e outras fontes de água, que contaminam o corpo, com mercúrio dos garimpos e outros produtos tóxicos, para que a finitude dessas vidas ocorra mais lentamente. As autoridades são omissas, como se indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e outros grupos populacionais não fossem constituídos gente que sente dor, fome, sede, chora a perda de seus entes queridos e tem direitos como qualquer humano.
O tema, apesar de consternar parte dos brasileiros e instituições da sociedade civil organizada, não reverbera na dimensão necessária e esperada. O Ministério Público da União não provoca o Judiciário para uma ação que contenha a marcha de extermínio dos povos originários, com a imputação de penalidades aos órgãos de Estado, responsáveis pelo cumprimento dos mandamentos constitucionais. Segue-se um roteiro inverso, muito próximo do que a história nomeou como holocausto dos judeus. Assim, os inimigos dos grupos tribais são contemplados com honrarias e medalhas pelas suas ações contra a vida.
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