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Artigo: A agricultura no mercado global de carbono

Correio Braziliense
postado em 11/04/2022 06:00
 (crédito: Étore Medeiros/CB/D.A Press)
(crédito: Étore Medeiros/CB/D.A Press)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES - Pesquisador da Embrapa Agroenergia

Uma das possíveis soluções para a crise climática é colocar um preço no carbono como forma de reduzir as emissões que teimam em aumentar em todo o globo. Cada vez mais, governos e líderes empresariais estão defendendo a estruturação de um mercado global que recompense aqueles que contribuem para que gases de efeito estufa não sejam lançados na atmosfera. Tal feito depende de mais práticas e tecnologias de baixa emissão, além de processos regulados por políticas públicas e operados por atores diversos, interessados de forma voluntária a compensar emissões.

Após seis anos de difíceis negociações, a Conferência do Clima, realizada em Glasgow, na Escócia, em novembro de 2021 (COP26), foi palco de decisões que podem finalmente viabilizar regras do Acordo de Paris, de 2015, para a configuração de mercados capazes de transformar reduções nas emissões de gases de efeito estufa em ativos confiáveis e comercializáveis. Embora mercados de carbono já existam há décadas, seus formatos são fragmentados, pouco robustos e carentes de transparência, defeitos que se buscará remover a partir de agora.

O que se espera nos próximos anos é o surgimento de um sistema confiável de comércio por meio do qual países, empresas, indivíduos ou outras entidades possam comprar ou vender ativos baseados em reduções efetivas de emissões de gases de efeito estufa. A existência desse mercado facilitaria, por exemplo, a compensação das emissões em um local, reduzindo ou removendo as emissões em outros. Assim, países ou empresas que precisem de mais tempo para reduzir suas emissões, podem fazê-lo por intermédio da compra de créditos.

Como o CO2 é o mesmo gás em qualquer lugar e a crise climática é um desafio para todo o planeta, o importante é que se avance na redução do cômputo global de emissões. Acredita-se que à medida em que regras de contabilidade e transparência para as reduções de emissões transferidas entre os países sejam fortalecidas, tais ativos poderão dar origem a um pujante mercado, que se estima poder chegar a U$ 180 bilhões/ano já em 2030.

Com os efeitos destrutivos das mudanças climáticas se intensificando, agricultura e florestas terão parte essencial a cumprir na conformação desse mercado, considerando que é no solo que estão as maiores reservas de carbono em todo o planeta, e sob as condições ecológicas corretas são as plantas que viabilizam potentes sumidouros terrestres para o CO2. Assim, as mudanças no uso da terra podem ser a única opção para sequestrar carbono atmosférico em escala e prazos necessários para conter a crise climática, o que poderá levar a mudanças sem precedentes no uso da terra, inclusive com risco de intensificar conflitos entre o meio ambiente e a produção de alimentos.

Além do mais, métricas cientificamente validadas associadas a gestão e monitoramento sofisticados serão necessários para garantir a permanência dos estoques armazenados. Afinal, o carbono armazenado nas florestas ou no solo agrícola, a partir de práticas conservacionistas pode, em determinadas circunstâncias, ser liberado para a atmosfera. Ação humana, catástrofes naturais ou a intensificação do aquecimento global podem afetar a estabilidade desses sumidouros de carbono, o que exige gestão cuidadosa que não comprometa sua efetividade e credibilidade.

Levando em conta tais cenários, um grande desafio para o futuro será evitar que um mercado global de tal complexidade seja conformado prioritariamente de acordo com as regras correntes do mercado financeiro. Como as que priorizam maximização de lucros, pedem regulação e controles mínimos e, pior, medidas de produtividade baseadas em maiores retornos sobre o investimento, em lugar do objetivo maior e mais nobre — de diminuir o CO2 na atmosfera visando o bem-estar da sociedade e a construção de meios de subsistência resilientes.

É preciso que todos estejam atentos ao risco de que tais mercados priorizem apenas grandes empreendimentos, para reduzir custos de transação, promovendo concentração da terra e benefícios para segmentos economicamente favorecidos. No caso brasileiro, é fundamental que os mercados de carbono possam priorizar, além dos grandes empreendimentos agrícolas e o setor florestal, quase sempre os mais lembrados, também operações menores e mais diversificadas, em especial os pequenos e médios produtores que, geralmente, são os que menos impactam as mudanças de clima e os que mais sofrem suas consequências.

 

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