Por Camila Abdelmalack — Economista-chefe da Veedha Investimentos
Foram nove altas seguidas desde 2021, quando a taxa básica de juros estava no patamar mínimo histórico de 2% ao ano. O ciclo de elevação da Selic busca promover a ancoragem das expectativas diante de uma inflação persistente. Após o Índice de Preços ao Consumidor Amplo ( IPCA) de 10,6% em 2021, a expectativa para 2022 caminha para 7%, muito superior à meta de 3,5% e até mesmo distante do limite máximo de tolerância em 5%.
O Banco Central dificilmente conseguirá alterar a rota da inflação contratada para 2022, mas com a elevação dos juros pretende garantir aos menos entregar a inflação em 2023 dentro do limite e o mais próximo possível da meta de 3,25%. As projeções para o próximo ano caminham para 4%, como consequência da inércia inflacionária, ou seja, o carrego da inflação que vamos assistir este ano. Muitos preços e contratos são reajustados com referência à inflação passada.
Falamos muito do IPCA, mas outro índice que também vem sendo revisado para cima é o Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), o famoso índice do aluguel. Esse índice é representado em 60% pelos preços ao produtor (IPA), que é distribuído entre preços agropecuários e industriais. Então, perceba a letalidade do processo em cascata da inflação. O conflito no leste europeu acentuou a alta dos preços das commodities (energia, agropecuários e metais) e isso chega até o reajuste dos contratos de prestação de serviço e aluguel.
Visando estancar esse contágio na economia, o Banco Central promove a elevação dos juros. O objetivo dessa ação é manter o poder de compra da população. O custo disso é a desaceleração da atividade econômica para reequilibrar os preços. No entanto, se a condução da política monetária é bem-sucedida, os juros podem voltar a cair no futuro e estabilizar num patamar mais baixo.
Essa situação de combate à inflação está acontecendo no Brasil, mas também nos Estados Unidos que assiste à maior elevação nos preços dos últimos 40 anos, 7,9%. Por lá, é o início do ciclo de elevação dos juros, atualmente as fed funds estão entre 0,25% e 0,50%, mas devem atingir patamar próximo de 2% ao fim de 2022 e 3% em 2023.
Aliás, corre o risco de o Federal Reserve entender que está "atrás da curva", ou seja, atrasado no processo de alta dos juros e apertar o passo. Isso, pode mexer no preço dos ativos, chacoalhar o mercado acionário e apreciar o dólar globalmente.
No Brasil, o ciclo de elevação dos juros está no estágio final. A Selic em 11,75% deve subir para 12,75% na próxima reunião em maio, conforme sinalizado pelo Copom. Os diretores indicaram que esse patamar seria adequado para convergência da inflação, mas duas situações podem atrapalhar a aterrisagem: 1) extensão do conflito no leste europeu, devido ao impacto da apreciação das commodities no cenário inflacionário; e 2) a preocupação com a orientação da política fiscal, o famoso "risco fiscal" que pode impactar negativamente preços de ativos importantes e elevar os prêmios de risco do país.
O risco fiscal deveria ser mitigado uma vez que a partir de março a Lei Eleitoral barra ações de ganho político-eleitoral. No entanto, enquanto o preço dos combustíveis estiver sob os holofotes, estamos sujeitos aos ruídos. Difícil prever esse desdobramento, pois no momento ainda não é possível enxergar o desfecho da situação no leste europeu e constatar em qual patamar o petróleo irá se acomodar. A cotação tocou US$ 140 e nos últimos dias ficou acomodada entre US$ 100 e US$ 110, muita ousadia arriscar um palpite sobre a cotação, que depende inclusive de muitas outras situações que envolvem inclusive a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e as esperanças que estão perdendo a força de uma retomada do acordo nuclear do Irã.
A taxa de câmbio vem jogando a favor da inflação, com quase 10% de apreciação do real frente ao dólar em 2022. O contexto das commodities inflacionadas é chamariz para o Ibovespa. O investidor estrangeiro ingressou com R$ 72 bilhões na bolsa, além das operações em renda fixa para aproveitar o diferencial de juros. Essa situação é a justificativa da recuperação do câmbio, mas não é garantia de sustentação. Afinal, o apelidado "smart money" pode sair na mesma velocidade que entrou, sem compromisso algum.
Um levantamento da consultoria Economatica revelou que, dos 33 setores da economia representados na B3, menos de um terço se valorizou neste ano e só três tiveram ganhos acima de 10%. Mineração teve alta de 34,77%; o setor agropecuário, de 17,72%; e petróleo e gás registrou 11,78% de crescimento. O peso do setor de commodities chega hoje a 30% do índice, contra 20% de um ano atrás.
As compras são garantidas, sobretudo, pelo investidor estrangeiro, enquanto o investidor local está migrando para a renda fixa, atraído pela forte alta dos juros. No acumulado deste ano, as pessoas físicas já retiraram mais de R$ 16 bilhões da B3.
O conflito no leste europeu gerou oportunidade de ganhos para o setor de commodities e beneficiou nossa economia. Os eventos que podem prejudicar essa trajetória são:
Política Monetária dos EUA: Aceleração na elevação dos juros;
Política Fiscal do Brasil: Problema na condução das contas públicas;
Política no Brasil: Precificação do cenário eleitoral.
Não há muitas dúvidas sobre a motivação dos gringos. O mercado brasileiro está fortemente ligado às commodities. No entanto, situações no passado mostram que a incerteza no cenário político afasta o investidor estrangeiro. Não precisamos ir muito longe, o segundo semestre de 2021 é um exemplo fresquinho na memória de todos, quando houve um turbilhão para colocar o Auxílio Brasil em prática. O Congresso não prosseguiu com a Reforma Tributária, que seria o financiador para o programa assistencialista, e o Executivo encontrou nos Precatórios a alternativa em conjunto com a flexibilização do teto dos gastos. Sem contar que o governo precisou pagar um preço com as emendas parlamentares para fechar o acordo.
Ganho passado não é garantia de ganho futuro. O que sustentou os retornos no primeiro trimestre podem ser insuficientes para a próxima temporada. Atenção e cautela nunca deixaram de ser as palavras de ordem para 2022. Ainda mais em situações que tiram os pés dos investidores do chão!
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