A Câmara dos Deputados é a Casa do Povo, em que a democracia deve ser defendida com todas as forças. É inaceitável, portanto, transformá-la em palco para aqueles que se empenham, diariamente, em afrontar a Constituição, numa ação deliberada para estimular movimentos golpistas. O deputado Daniel Silveira, eleito pelo Rio de Janeiro, enquadra-se no grupo dos que atacam os Poderes, certo de que está acima do bem e do mal. Usa esse expediente para se autopromover e alimentar uma extrema direita barulhenta, para a qual um Congresso fechado e um autocrata no comando do país fazem parte de um mundo ideal.
No mais recente episódio que estarrece o Brasil, Silveira simplesmente descumpriu uma determinação judicial. Recusou-se a colocar uma tornozeleira eletrônica, exigida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelos inquéritos que tratam dos ataques à Corte e à democracia. Fez isso com o apoio da direção da Câmara, que transformou suas dependências em uma trincheira contra a Justiça. O parlamentar, que inventou todo tipo de justificativa para não usar a tornozeleira, inclusive a de que seu cachorro havia roído a anterior, tem a certeza de que, ao desrespeitar o Judiciário, terá todos os holofotes voltados para ele e um novo mandato garantido. Tudo o que ele quer é receber um novo mandado de prisão e posar de mártir.
Silveira é o tipo de aberração que, constantemente, as urnas impõem ao país. Surgiu no cenário político na onda de que uma renovação do Congresso era uma necessidade. Desde que tomou posse, só teve um objetivo: estimular a disseminação de fake news para desestabilizar os Poderes, em especial, o Judiciário, e minar a democracia. Nada fez de bom para seus eleitores. Pelo contrário, com seu comportamento truculento, normalizou a violência e os ataques às minorias. Não por acaso, quem o apoia acredita que a volta de um regime militar ao poder é o caminho para purificar o Brasil. É um personagem clássico de um filme de terror de quinta categoria.
O quadro se torna mais estarrecedor quando a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara se propõe a discutir uma emenda constitucional em que fica liberado "o descumprimento de decisões judiciais absurdas". Quer dizer: se um despropósito desse for aprovado, todos os criminosos poderão desrespeitar posições da Justiça alegando que elas estão fora dos padrões. O Brasil, que já não é um país exemplar no cumprimento às leis, se transformaria numa terra de escancarada impunidade. Para o referido deputado e seus aliados, a farra estaria liberada, a Suprema Corte poderia ser fechada e seus ministros, destruídos.
Voltar à racionalidade é fundamental. Daniel Silveira deve responder por todos os crimes que lhe são imputados. Assim como o STF deve ser rigoroso no julgamento marcado para 20 de abril, o Conselho de Ética da Câmara precisa deixar o corporativismo de lado e afastar o parlamentar do mandato. O país não pode acreditar que um deputado que transgride a lei, dentro da Casa das Leis, e desafia a Justiça é um herói. Esse é um roteiro certo para o desastre e merece todo o repúdio. A democracia merece respeito, o que o deputado jamais teve por ela.