A disparada nos preços dos combustíveis no mercado brasileiro, acelerada pelos ecos dos bombardeios russos sobre a Ucrânia e pelas sanções internacionais sobre o país invasor — também um dos maiores produtores mundiais de petróleo — faz disparar alertas que exigem atenção e ação das autoridades, e mesmo reflexões a respeito de projetos para o país. De um lado, a escalada das tabelas nos postos de abastecimento exerce um custo cruel sobre setores mais vulneráveis da sociedade, seja pela via do imposto inflacionário, seja pelos valores (ainda mais altos) cobrados em rincões mais isolados do mapa. Em outra vertente, a conjuntura expõe a extrema vulnerabilidade do país aos humores do comércio petroleiro internacional, sujeito a precário equilíbrio geopolítico e a uma série interminável de variáveis e interesses.
Do ponto de vista dos impactos sociais, reportagem publicada pelos portais dos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense demonstrou como o custo da gasolina pesa mais sobre as cidades de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), tanto em território mineiro quanto no goiano, exatamente por serem mercados mais distantes das metrópoles e, portanto, das refinarias. Em municípios do sofrido Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, por exemplo, o litro do derivado de petróleo chega a custar assustadores R$ 8,59, mais de um real acima do cobrado em postos de Nova Lima, cidade da Grande BH que tem o maior IDH do estado.
É exatamente o oposto da lógica de justiça social ou tributária: nessa situação, quem pode menos é que paga mais. Mas essa está longe de ser a única perversidade do quadro atual. É também a população vulnerável a que sofre os principais impactos do efeito cascata da alta dos combustíveis sobre a formação de praticamente todos os preços da economia. A começar pela área de alimentos — com reflexos já sentidos entre os hortifrútis e na panificação, para ficar em apenas dois exemplos básicos — passando também pelo aumento dos custos do transporte público, que sacrifica mais pesadamente trabalhadores de menor renda e estudantes.
Mas é do ponto de vista estratégico que a atual crise energética exige projetos e ações estratégicos, o que demanda um tipo de mobilização e harmonia entre poderes e autoridades que o atual quadro político do país parece longe de exibir. A recente alta sucessiva nos preços dos combustíveis, ainda anterior à guerra no Leste Europeu e que reflete política influenciada pelo dólar, pela cotação internacional dos barris e pelos impostos, já demostrava que as tabelas nos postos do país são totalmente vulneráveis ao mercado externo. O conflito desencadeado por Vladimir Putin apenas agravou o quadro e tornou mais evidente a dependência.
A resposta imediata à crise tem sido a proposição de subsídios para conter os valores nas bombas, o que pode ajudar a resistir à atual tempestade, mas está longe de ser solução de longo prazo para o clima turbulento do mercado global de petróleo. Além disso, a política de usar recursos públicos para subsidiar o abastecimento de veículos particulares e de empresas acaba configurando outra forma perversa de redistribuição (no caso, concentração) de renda. De outro lado, alterações sugeridas ou aplicadas à tributação geram reações imediatas dos entes federados que vão perder recursos, e não sinalizam impacto significativo para quem paga a conta ao abastecer.
A atual crise energética surge como um alerta ao país, que precisa de mecanismos que o tornem menos suscetível ao mercado internacional, tanto via discussão de soluções de cunho econômico, quanto na forma que parece mais promissora: via investimento e incentivo à chamada energia verde. O presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, observou nesta semana que a crise acelerada pelo conflito na Europa tende a alavancar as buscas por soluções de energia limpa, o que pode ser uma oportunidade para o Brasil. É mais que urgente — é estratégico e vital para o país — aproveitá-la.