TRIBUTAÇÃO

Artigo: Bolo de fubá e reforma tributária

FABIO BRUN GOLDSCHMIDT - Advogado tributarista

No anedotário que é o cotidiano tributário brasileiro, certa vez tivemos que defender uma cadeia supermercadista de uma autuação em que se pretendia cobrar a diferença de ICMS recolhido a menor pela empresa, por ter tributado fubá como farinha de milho. A farinha de milho era tratada na lei como integrante do benefício da cesta básica, com alíquota de 7%, enquanto o fubá — segundo a ótica do fiscal autuador — não constava expresso nessa lista de exceção e, portanto, deveria ser tributado pela alíquota geral de 17%. Na defesa, tivemos que demonstrar que fubá e farinha de milho são a mesma coisa, inclusive, segundo a Anvisa, e que a diferença, se e quando existente, é apenas de gramatura.

Para provar nosso ponto, a estratégia que adotamos ante o Tribunal Administrativo estadual foi no mínimo inusitada: distribuímos receitas de bolo que, invariavelmente, indicavam a utilização indistinta dos dois ingredientes, tratando-os como sinônimo; e preparamos e distribuímos aos julgadores bolos de farinha de milho e de fubá, para que os degustassem às cegas. Após alguns minutos de descontração na sessão, o caso foi julgado, a interpretação da empresa acabou sendo acolhida e a autuação cancelada na sua integralidade.

O exemplo acima ilustra o quão difícil é navegar pelo emaranhado normativo brasileiro, bem como a insegurança com que se convive, mesmo quando se tem o privilégio de dispor de dezenas de técnicos especialistas para interpretar a legislação. Ilustra também como um contribuinte bem intencionado pode acabar punido por uma conduta de boa-fé e cobrado por uma suposta infração, numa verdadeira armadilha tributária.

Ao longo do último ano, muito ouvimos falar de reforma tributária. E agora, perplexo, leio a notícia de que a proposta em trâmite no Congresso (PEC 110) teve seu prazo de transição do regime antigo para o novo, alterado. Na versão anterior, esse prazo (no que trata da transferência da tributação da origem para o destino) era de 20 anos, e agora passa a ser de 40 anos. Ou seja, levará meros 40 anos para a reforma ser implementada e, durante esse tempo, teremos que conviver não apenas com as desinteligências e complexidades do sistema atual, mas adicionar, entender e aplicar o novo sistema instituído. Um sistema inédito, que obviamente dará muito mais margem a incompreensão e divergência de opiniões, jurisprudência etc. que o atual.

Em outras palavras, para dar uma resposta ao mercado, que espera uma reforma de simplificação do sistema tributário e redução dos custos das empresas, estaremos aprovando uma reforma que exigirá o dobro de técnicos, o dobro de controles, o dobro de esforço da própria fiscalização, pelo exíguo período de 40 anos. Enquanto isso, obviamente dobrará o contencioso judicial, que discutirá o sistema velho e o novo, além de debater as regras de compatibilização entre os dois. Já não tenho dúvidas de que meus filhos e netos ainda comerão muito bolo de fubá caro.

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