Leonor Costa - Jornalista, assessora parlamentar, mestra em direitos humanos pela UnB e integrante da Cojira-DF
Nesta semana completaram-se quatro anos da execução da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocorrida na noite de 14 de março de 2018, no Rio de Janeiro. Quatro anos sem que o país tenha a resposta concreta de quem foram os mandantes desse assassinato, que é o mais grave crime político das últimas décadas. São quatro anos que a pergunta "Quem mandou matar Marielle?" segue ecoando, ainda sem as devidas respostas.
Um desafio que fica nesses 48 meses é pensar nos efeitos dessa execução para o país, para a democracia e, sobretudo, para as mulheres negras que ousam a transpor as barreiras do racismo estrutural. Onde e como estão as sementes de Marielle Franco, que cresceram a partir do primeiro processo eleitoral após a execução? E aquelas que seguiram "brotando" nos anos seguintes?
Uma realidade que insiste em latejar nas nossas cabeças é que o ocorrido naquela noite escancarou as inseguranças e a violência sofridas por mulheres negras no cotidiano de sua luta. Uma forma de passar o recado de que lugar de mulher preta e favelada não é na política e muito menos na tribuna de uma casa legislativa, como a Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Ou de confirmar o nosso não lugar nesses espaços.
Aqui precisamos, brevemente, conceituar o racismo, o sexismo e o classismo como categorias centrais que estruturam a organização de nossas vidas. Historicamente, mulheres negras são preteridas dos espaços da política, seja nos partidos políticos, seja nas direções dos sindicatos, seja nos movimentos sociais ou, principalmente, nos espaços legislativos e executivos brasileiros.
Se somos nós a garantir o funcionamento dos lares e da sociedade, empenhando toda a nossa força de trabalho em dupla — e até mesmo em tripla jornada —, somos nós também as que mais sofrem com o desemprego, a informalidade e a falta de vagas na educação pública e no Sistema Único de Saúde (SUS). Somos nós as que menos ocupam os cargos de direção que decidem os rumos do nosso país. Somos nós as que mais sofrem com as crises cíclicas que alimentam o capitalismo, sem jamais esquecer que a austeridade é racista.
Nesse contexto, como forma de transformar o luto em luta, para muitas, o legado de Marielle serviu de inspiração e coragem. A frase "não seremos interrompidas" é a expressão da necessidade de mostrar que o sistema racista, sexista, classista e LGBTfóbico não impedirá que mais mulheres se coloquem na disputa da política institucional. A Marielle que amava mulheres; a Marielle feminista negra, socialista e favelada é semente que floresce a cada novo dia, com mulheres tomando o seu exemplo para transformar a realidade em que vivem.
No entanto, é preciso também pensar o significado desses quatro anos sem respostas, quando temos um Estado liderado por um governo com contornos marcadamente neofascistas e com relações estreitas com o crime organizado e as milícias. É preciso analisar também que, na mesma proporção em que mais mulheres negras se colocam para disputar a política institucional, há também um crescente número de casos de ameaças e perseguições que colocam em risco o exercício parlamentar e a própria vida dessas mulheres.
São estarrecedores os casos de vereadoras e deputadas negras e trans enfrentando violências das mais diversas formas, incluindo ameaças de morte e discursos de ódio no submundo da internet. A violência política que ameaça o mandato da vereadora Érika Hilton — a primeira mulher trans a ocupar uma vaga na Câmara Municipal de São Paulo —, ou que obrigou a deputada federal Talíria Petrone a sair do estado por onde foi eleita, tem a mesma raiz da violência que executou Marielle Franco há exatos quatro anos.
É preciso dizer que tais episódios são ameaças frontais à democracia. A falta de resposta para o assassinato de uma vereadora da segunda maior cidade do país, aliada à tentativa de silenciar as mulheres que colocam seu ativismo para transformar as nossas vidas, num contexto de um governo autoritário, aponta o tamanho da fragilidade da conjuntura que vivemos.
Exigir justiça por Marielle e Anderson é também confrontar essa dura realidade e defender um país mais seguro para mulheres negras. Levar adiante o legado político de Marielle é uma resposta ao autoritarismo em curso e uma forma de dizer que não haverá uma democracia efetiva sem que as nossas assumam o protagonismo no projeto de transformação rumo à sociedade pela qual lutamos e na qual queremos viver. Uma sociedade que caiba todas nós, com segurança para as nossas vozes e os nossos corpos que resistem!