Ato pela Terra

José Sarney Filho: Ar fresco sobre o bolor

JOSÉ SARNEY FILHO - Duas vezes ministro do Meio Ambiente, foi deputado federal por 10 mandatos. Participou da Assembleia Constituinte de 1988, criou e presidiu a Comissão do Meio Ambiente da Câmara dos Deputados e criou e coordenou a Frente Parlamentar Ambientalista

Em 9 de março, o poeta soprou uma lufada de ar fresco para varrer o bolor que recobre a Esplanada. Caetano Veloso, um dos nomes mais marcantes de nossa cultura pelo cuidado amoroso com que retrata, em sua obra, a natureza e os povos tradicionais do Brasil, liderou dezenas de artistas e uma multidão de populares no vigoroso Ato pela Terra Contra o Pacote da Destruição.

O movimento responsável pelo ato, que esteve presente no Congresso e no Supremo levando suas demandas, denuncia uma série de projetos de lei que, caso sejam aprovados, representarão um dos maiores retrocessos de nossa história legislativa: afrouxamento do licenciamento ambiental, facilitação da grilagem de terras públicas, dificultação da demarcação de terras indígenas e liberação massiva de agrotóxicos.

Enquanto presenciávamos o clamor feito de preocupação e empatia por esta que o Papa Francisco chama de Nossa Casa Comum, a Terra, na Câmara dos Deputados (que foi a minha Casa de atuação política por tantas décadas e, supostamente, é a Casa que representa, de maneira democrática, a vontade do povo — que ironia!) era aprovada a urgência da proposta que libera a exploração mineral em terra indígena.

Esse dia de emoções tão fortes e díspares mostra bem duas visões de mundo radicalmente distintas: o individualismo, ambicioso, violento e excludente e, com os pés firmes no chão, a solidariedade, cantando e proclamando sobre a grama o amor pela vida. Esse embate tudo tem a ver com o momento carregado de dramas e tragédias que vivemos.

Estamos completando dois anos de pandemia e, mesmo que a angústia pelas mais de 650 mil mortes e milhões de sequelados do Brasil e tantos mais ao redor do planeta, às vezes já nos pareça parte do passado, ainda continuamos a perder mais de 500 brasileiros por dia para a covid-19.

A guerra fria, que parecia ter ficado enterrada no século 20, ressurgiu com toda a força e esquentou a ponto de tornar-se uma guerra quente e sangrenta, que ameaça escalar e ganhar proporção mundial, reacendendo o pavor de um holocausto nuclear. Em meio a tudo isso, coroando um verão de águas abundantes, contamos centenas de mortos e milhares de desabrigados em desabamentos e inundações por vários estados do país.

Lembro do processo da Constituinte que levou à elaboração da Carta de 1988. A participação da sociedade foi intensa e vibrante, a democracia se abria diante de nós como uma flor cheia de boas premissas e promessas. Como socioambientalistas, lutávamos pelo direito ao meio ambiente equilibrado e saudável, pelos direitos das mulheres, dos negros e dos índios, contra a energia atômica e pela paz. Precisamos reencontrar essa vibração que nos fez afirmar, como sociedade, que queremos a justiça e a igualdade — uma igualdade não simplesmente retórica, mas também material —, o respeito às diferenças e, na diversidade, a integridade moral (mas não moralista), social, ambiental, política e cultural. O sopro do poeta trouxe o perfume dessa integridade.

Saiba Mais