ALYSSON PAULINELLI - Foi ministro da Agricultura (1974-79), é presidente do Instituto Fórum do Futuro
ANTONIO LICIOEconomista PhD, é consultor em Brasília e conselheiro do Instituto Fórum do Futuro
A relação da humanidade com pragas e doenças agrícolas é milenar e bíblica: entre as 10 pragas que teriam sido lançadas por Deus sobre o Egito Antigo no reinado do faraó Ramsés II (1213-1270 a.C.) por sua intransigência quanto à liberação dos hebreus, consta uma nuvem de gafanhotos que destruiu as lavouras daquela região e lastrou fome e miséria por todo o reinado, forçando o faraó a liberar aquele povo. Passaram-se mais de 2 mil anos e os bichinhos voadores continuam a ameaçar as lavouras, como foi o caso recente na fronteira Paraguai-Argentina-Brasil em 2021. A diferença dessa última invasão foi a existência de pesticidas — produtos químicos solventes em água — lançados sobre a nuvem dos insetos por nada menos que aviões agrícolas, tecnologias que os antigos egípcios nem de longe pensariam um dia existir e que poderiam ter mudado o curso da história e das religiões. O Egito na época era o maior celeiro alimentar do mundo pelos sedimentos depositados nas margens de seu Rio Nilo e ali teriam nascido os primeiros combates às pragas agrícolas.
Pesticidas consideram-se todos os elementos químicos ou compostos capazes de controlar pestes como: 1) ervas; 2) insetos; 3) fungos; 4) ácaros; 5) nematoides; 6) bactérias; 7) vermes; 8) roedores. Fica claro que sua ação não se restringe aos usos agrícolas, mas também à defesa dos humanos e animais. Mutatis mutandis, sua falta também é dramática, além de praga do Egito. A peste bubônica do século 14 (1350-1355) matou metade da população europeia de cerca de 100 milhões de pessoas à época e mais um tanto na Ásia e Oriente por falta de um inseticida capaz de eliminar uma pulga que usava ratos como hospedeiros. O imperador D. Pedro II perdeu o filho mais novo e herdeiro do trono, Pedro Afonso, em 1850, com um um ano e cinco meses, pela febre amarela então endêmica no Rio de Janeiro.
Desolado e amargurado procurou alternativas para o controle do mosquito Aedis aegypti, transmissor da doença e de outras, quando alguém lhe sugeriu aspergir nas áreas infestadas fuel oil de embarcações diluído em água, o que fez e eliminou, além da febre amarela, a malária e a dengue, tendo criado para tal os pelotões de mata-mosquitos, que perduraram na cidade com seus macacões amarelos até finais do século passado. Desinfetantes bactericidas aplicados em hospitais são aceitos e mesmo exigidos pela sociedade para prevenção de infecções hospitalares. Da mesma forma, o uso de cloro na água a ser consumida nas cidades está consagrado e não é questionado quando dentro de limites cientificamente definidos. O homem moderno não vive mais sem pesticidas, mas, quando se trata de aplicações agrícolas em lavouras e animais, todo tipo de reações contrárias são levantadas, como se possível fosse produzir alimentos sem o uso desses produtos. Como entender?
Um forte candidato a explicar as reações da sociedade contra pesticidas são os potenciais usos de controles biológicos aparentemente inofensivos ao homem e ao meio ambiente em substituição aos químicos. Usam de elementos da própria natureza, como insetos e micro-organismos naturais predadores de seus similares que atacam as lavouras e animais. A falsa informação transmite ao consumidor a ideia de que essas tecnologias estão consagradas, tem baixos custos e não são aplicadas pelo agricultor porque ele seria "ganancioso" e não quer gastar um pouco mais de seus "ganhos fabulosos" em práticas ambientalmente saudáveis.
Controles biológicos são mais comuns de uso em produtos consumidos in natura (verduras e frutas) por serem mais suscetíveis de carregarem resíduos de pesticidas e terem valores específicos ($/kg) bem mais altos, portanto capazes de suportarem custos de controles mais elevados. Entram no processo chamado de produção orgânica, aquele em que são tolerados somente esses controles e excepcionalmente alguns químicos cujos produtos logram preços até 100% mais elevados do que seus similares comuns, levando esperanças a um controle mais sadio no futuro. O problema atual está, além dos altos custos, na fiscalização que requereria ações 24 horas/dia todos os dias do ano para garantir que, numa crise de infestação, o agricultor não apelasse para os químicos. Por seu lado, pesticidas bem dosados são absolutamente inócuos, como afirmou Paracelsus há 500 anos e estão consagrados como processos avançados de controle conhecidos como Análise de Riscos, já em operação no Brasil e outros países grandes produtores agrícolas. Desenvolver plantas resistentes também é uma esperança.
A literatura atual é muito restrita, mas revela interessantes aspectos do uso de pesticidas: 1) as frutas e verduras — consumo in natura — detém a maior a concentração de uso, variando entre 10-20 kg/há; 2) quanto mais frio o clima, menor uso (pela quebra do ciclo de vida dos insetos e micro-organismos); 3) China e Japão usam no total 13,1kg/há e 11,8 kg/há respectivamente devido à grande produção e consumo de arroz "inundado"; 4) Brasil e Estados Unidos, grandes produtores de grãos, concentram no total 6kg/há e 3kg/há respectivamente (Worldmeter/Faostat, 2018).
E se sustássemos os usos de pesticidas? Segundo ainda a literatura disponível, as perdas de frutas e verduras seriam desastrosas, entre um máximo de 100% (maçãs) e mínimo de 57% (batatas); de grãos entre 24% (trigo), 37% (soja) e 57% (arroz), suficientes para tirar dos negócios todos os agricultores (Knutsen,R.:Economic Impacts of Reduced Pesticides Use in the US; Texas A&M Univ, 1999). Recente frustração de safra brasileira de café por ação de geadas quebrou a oferta mundial em 7,5% e os preços dispararam de um patamar desde 2014 de US$ 120/saca para os atuais US$ 250/saca. O que aconteceria com os preços dos alimentos no caso de uma frustração de safra de impacto global? As estatísticas e estimativas econômicas atuais não permitem essa previsão, mas a prudência e a responsabilidade recomendariam a manutenção, pelo menos por ora, do uso dos pesticidas sob pena de desastre genocida.