Artigo

Fábio Grecchi: O sujeito amoral

A primeira vez que escutei a palavra "estupro" foi pelos 10 anos de idade, quando, sem querer, ouvi o relato de uma parente aos meus pais. Apareci, de repente, na sala em que estavam e flagrei a mulher chorando. Não tenho ideia se isso foi com ela ou com alguém próximo, mas ainda guardo a expressão grave do meu pai e da minha mãe, que, com jeito, pediram que me retirasse.

Fui ter uma ideia do que era estupro já adolescente, quando vi o filme Duas Mulheres (La Ciociara), de Vittorio de Sica. Fã de cinema e notívago desde menino, virava as madrugadas assistindo na tevê a inúmeros clássicos que, hoje, poucos conhecem ou lembram. Foi também numa dessas noites que passou A Pele (La Pelle), de Liliana Cavani, baseado no livro homônimo de Curzio Malaparte.

Nos dois filmes, duros relatos da II Guerra Mundial, há cenas de estupros, cometidos pelos aliados na Itália. Na obra de De Sica, as mulheres em torno da qual gira a história são violentadas dentro de uma igreja. Na de Liliana, o personagem de Marcello Mastroianni — que dá vida a Malaparte — testemunha mães napolitanas miseráveis (nos dois sentidos) vendendo os filhos, crianças, para o prazer animal dos soldados que empurravam os nazistas para fora do país.

Outro clássico das telas, Amargo Pesadelo (Deliverance), de John Boorman, mostra que o estupro não poupa homens adultos. Este foi mais um visto nas madrugadas insones.

O deputado Arthur do Val, o Mamãe Falei, talvez não tenha conhecimento das obras-primas que educam sobre quatro coisas: 1) o sexo é uma arma na guerra; 2) o sexo forçado é o poder na forma mais suja; 3) o sexo negociado passa pela subjugação de alguém; e 4) o sexo cobiçado não respeita gênero ou idade. Se tivesse assistido, teria uma chance mínima de não descer ao estado de boçalidade nos áudios de sua autoria, que circularam, na semana passada, com comentários infames sobre as ucranianas.

Arthur do Val surgiu na lacração das redes sociais, surfando na crítica ao "tudo isso que está aí na política". Conquistou uma cadeira na Assembleia Legislativa paulista e mandou-se para a Ucrânia a pretexto de ajudar os refugiados de guerra.

O deputado reconheceu o áudio e disse que tinha sido enviado a um grupo de amigos — imagino o nível das conversas naquele ambiente descontraído. Deu uma justificativa indecorosa para o comentário sórdido e, ao não se refugiar na desculpa da bebedeira, confirmou a condição de pérfido. É uma amoralidade manifestar desejo sexual num cenário de guerra, onde prevalecem a dor e a morte.