OPINIÃO

Artigo — A outra guerra: sufocar a economia russa por meio do bloqueio do país ao Swift

Por Tatiana Goes — Empreendedora, economista e Ceo da Goesinvest, empresa focada em consultoria financeira, sucessão e proteção patrimonial e internacionalização de capitais. Especializou-se em Gestão Estratégica de Negócios pela Universidade de Harvard

A primeira semana de março foi marcada pela cor vermelha para a economia e o sistema financeiro russos. Colapso do rublo, subida de juros, corridas aos bancos, limitações aos movimentos de capitais e venda de posições por empresas estrangeiras. A bola de neve dos mercados começou a rolar, e é pouco provável que deixe o Ocidente incólume.

Nos últimos dias, as cotações de petróleo, gás, trigo, milho (os principais produtos de exportação da Rússia) dispararam, mas os produtores russos não ganharam nenhum centavo a mais por isso. Ao contrário, estão com seus estoques ameaçados pelo bloqueio imposto pelo mundo. Mas o que mais chamou atenção na primeira semana da movimentação da guerra foi a exclusão de bancos russos do sistema de comunicação Swift, que chegou a ser apelidada como "opção nuclear".

A Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Swift, na sigla em inglês) foi fundada em 1973 para substituir o telex e, agora, é usada por mais de 11 mil instituições financeiras em mais de 200 países para enviar mensagens seguras e ordens de pagamento. Em resumo, é um conector essencial para as instituições financeiras de diferentes regiões do mundo, e não possui substituto em termos globais.

A instituição, embora até então desconhecida pelo grande público, tornou-se, ao longo dos anos, a espinha dorsal do sistema internacional de transferências financeiras. Se um banco ou um país inteiro não participa do Swift fica impedido de operar no sistema bancário internacional. Não tem como receber ou fazer transferências de recursos, o que, na prática, significa que fica impedido de negociar.

Há precedente de remoção de um país do sistema. O Swift desligou os bancos iranianos em 2012, depois que eles foram sancionados pela União Europeia por causa do programa nuclear do país. O Irã perdeu quase metade de sua receita de exportação de petróleo e 30% do comércio exterior após a desconexão. Embora Cuba e Venezuela não tenham sido excluídas do Swift, boa parte das sanções que conformam o bloqueio econômico contra os dois países dificulta as transações comerciais no sistema financeiro, obrigando os governos a triangular as compras vinculadas ao Estado.

A medida que, agora, atinge a Rússia representa um duro golpe para a economia do gigante euroasiático, e essa é a primeira vez que uma medida dessa natureza é tomada contra um país com dimensões continentais. Mesmo assim, não se pode dizer que o Kremlin foi pego de surpresa. Moscou já vinha tomando medidas nos últimos anos para atenuar o trauma caso essa "arma" fosse usada contra eles. O país estabeleceu seu próprio sistema de pagamento, o SPFS, depois de ser atingido por sanções ocidentais, em 2014, quando anexou a Crimeia. Atualmente, 20% das transferências domésticas são feitas por meio desse sistema local, mas o tamanho das mensagens é limitado e as operações são enquadradas em horários específicos da semana.

O governo de Putin também passou os últimos oito anos preparando a Rússia para o endurecimento das relações com os outros países e construiu um cofre de guerra de US$ 630 bilhões em reservas internacionais, incluindo moedas e ouro. Mas pelo menos parte desse poder de fogo financeiro agora está congelado e sua "fortaleza" econômica está envolta na crise. Na última quarta-feira, um empresário russo foi entrevistado por uma agência internacional de notícias quando se preparava para sair da Rússia. E resumiu, com precisão, os ânimos gerais em sua terra natal: qualquer empreendedor que tem negócios na Rússia hoje, do pequeno ao grande, está se sentindo como se voasse num avião sem motor ou então num avião com motor pegando fogo nas asas.

E como toda "arma nuclear", a retirada de bancos russos do Swift pode espalhar radiação no comércio global e mesmo no sistema de pagamentos internacionais. E atinge tanto as empresas russas quanto seus clientes estrangeiros, especialmente importadores de petróleo e gás, mas também trigo e milho. O Brasil, em especial, obviamente deverá arcar com sua parcela nessa fatura. O país é dependente de fertilizantes vindos da Rússia. Sem esses insumos, os agricultores terão de pagar mais caro para comprá-los em outros países. Para cobrir esses custos extras, aumentarão os preços dos alimentos. A mesa dos brasileiros ainda será impactada pela valorização do trigo, já que os russos são grandes produtores do grão.

Outra consequência é a elevação das cotações do petróleo, com reflexos nos preços dos combustíveis nas bombas dos postos. Enfim, a conta será generalizada. O Swift também tem a perder, pois trezentas instituições financeiras da Rússia estão conectadas ao sistema, sendo a segunda maior participação na organização, depois dos Estados Unidos.

O fato é que essas sanções podem acabar estimulando a Rússia a aprimorar, possivelmente com a China, um sistema de pagamentos alternativo, o que poderia gerar no futuro um realinhamento das relações bancárias dos países do Oriente. Os olhos, portanto, estão todos voltados, não só para os canhões de Putin na Ucrânia, mas para as conversas diplomáticas que os emissários econômicos da Rússia estão travando com os seus países aliados.

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