Benedita da Silva - Deputada Federal (PT/RJ)
O 8 de março se tornou a poderosa data de referência da luta das mulheres em todo o mundo, mas, no Brasil, ao lado do 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, é também um momento necessário para denunciarmos a condição da mulher negra, que está no centro da opressão e discriminação que atinge a todas.
A chamada Abolição libertou mesmo foi a responsabilidade do Estado com a população negra, tornada livre dos grilhões de ferro, mas não dos grilhões da opressão social. Sem a mínima indenização, sem terra para trabalhar, sem emprego e sem moradia, a população negra foi entregue à própria sorte.
Consequência direta disso, agravada pelo racismo estrutural, é o povo negro sendo maioria na base da pirâmide social. Segundo dados de órgãos oficiais, dos 10% mais pobres em nosso país, 76% são negros e negras; dos 13,5 milhões de brasileiros que vivem em extrema pobreza, 10,1 milhões declaram-se de cor preta ou parda; e do total das pessoas assassinadas, anualmente, o percentual daqueles de cor preta e parda nunca fica abaixo de 70%.
No interior dessa desigualdade racial, é a mulher negra quem sofre o triplo preconceito: racial, social e de gênero. Além de o negro ganhar menos do que o branco pelo mesmo trabalho, a mulher negra ganha menos que o homem negro, por causa do machismo dominante na sociedade. E é a primeira a ser demitida.
A violência contra a mulher atinge, em primeiro lugar, a mulher negra. Durante o isolamento social da pandemia, o Brasil contabilizou 1.350 casos de feminicídio em 2020, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A maioria (61,8%) era negra.
Diante dessa situação social hostil à população negra, rejeitada pela sociedade apenas pela cor da pele, foi a mulher negra que se tornou o centro da família, sua principal provedora, a organizadora social da solidariedade comunitária e da proteção dos filhos.
E a mulher negra conseguiu fazer tudo isso trabalhando como empregada doméstica sob condições precárias, legado da escravidão e do racismo. A maior categoria profissional do país é justamente a dos trabalhadores domésticos, que, em sua grande maioria, é constituída de mulheres negras.
Cabe citarmos a justa apreciação da respeitada líder feminista negra estadunidense, Angela Davis, que disse: "Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela". Davis ainda chamou a atenção para o papel do movimento organizado bem-sucedido das trabalhadoras domésticas no Brasil, acrescentando que a liderança das mulheres negras brasileiras "enfatiza o coletivo e as comunidades onde vivem".
Essas observações de Angela Davis contêm uma grande verdade, pois sentimos de fato essa força da mulher negra na família dos segmentos mais vulneráveis, naquilo que ela representa na realidade diária do povo negro, e de nossos filhos, sempre ameaçados, quando não executados pela violência armada do racismo institucional.
Sofrendo racismo desde o nascimento, mas também estimulados pela força de suas famílias, muitos negros e negras criaram o movimento negro para lutar por emancipação, dignidade e igualdade racial.
Vencendo obstáculos que pareciam instransponíveis, elegemos uma pequena mais aguerrida bancada negra na Constituinte e inserimos na Constituição o racismo como crime inafiançável.
O movimento negro não quer apenas se defender das práticas do racismo, mas, sim, eliminar suas raízes estruturais. Por isso, lutamos para conquistar, cada vez mais, direitos democráticos e sociais, como foram a política de cotas nas universidades públicas, os programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida, nos quais os beneficiários eram precisamente as mulheres chefes de família, e a PEC das Domésticas, iniciativa na qual fui a relatora da proposta, sendo aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidenta Dilma Rousseff.
O golpe do impeachment e, sobretudo, este governo de ódio racial representam o maior desafio do momento para a população negra, que nas pesquisas manifesta os mais altos índices de rejeição ao neofascista Bolsonaro.
O povo negro nunca teve "vida fácil" e enfrenta esse momento extremamente difícil com esperança de mudança política para continuarmos avançando na luta pela igualdade racial e de gênero.
Destaco nesse artigo a força da mulher negra, porque não há possibilidade de o Brasil democrático e popular libertar-se da opressão social e racial sem a consciência e o protagonismo desse segmento que desenvolveu enorme resistência e resiliência durante séculos de escravização e exclusão social.
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