MARIANA LUZ - CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho do Instituto Escolhas
Se a tese que vou defender aqui estiver correta, você, leitor do Correio Braziliense, conhece ou ouviu falar da primeira infância, fase que vai do nascimento até os 6 anos de idade da criança. Possivelmente, sabe também que é nesse período que o cérebro da criança se desenvolve em sua maior potência. É quando as bases cognitivas e socioemocionais da criança são construídas.
Você possivelmente adquiriu esse conhecimento em algum momento dos seis últimos anos. Essa suposição se dá porque seis anos é a idade do Marco Legal da Primeira Infância, lei que estabelece diretrizes para políticas públicas e garantias específicas para crianças de 0 a 6 anos — vital para a disseminação da importância dessa fase da vida em todo o país.
O Marco Legal completa agora o seu ciclo de primeira infância. Assim como ocorre com o cérebro infantil, ao atingir os 72 meses de vida, esses primeiros anos da lei foram fundamentais para sedimentar uma série de conhecimentos sobre a formulação e a implantação de programas e políticas públicas de cuidados com a infância.
Há avanços em todas as esferas de governo (com plano nacional, estaduais e municipais de primeira infância); nas empresas (com a adoção de licenças maternidade e paternidade estendidas, entre outras políticas); na dimensão individual (com a conscientização das famílias sobre a importância dos estímulos adequados ao desenvolvimento infantil).
A lista é longa, mas não extensa o bastante para abarcar a carência de recursos e cuidados alimentada por dois anos de uma pandemia que ainda não acabou. Temos a nosso favor, entretanto, o conhecimento dos caminhos para lidar com a maioria dos desafios.
Destaco três experiências que, replicadas, podem alavancar os cuidados com a primeira infância: o Programa Criança Feliz, do governo federal, o Primeira Infância para Adultos Saudáveis, em Pipas, do Ceará, e o São Paulo pela Primeiríssima Infância, do estado de São Paulo.
Poucas iniciativas no mundo comprovaram resultados melhores e com impacto mais diversificado do que as de visitação domiciliar às famílias vulneráveis. O Programa Criança Feliz foi pioneiro nas visitas em escala. Seu objetivo é levar orientação a famílias pobres sobre saúde, alimentação e estímulos adequados.
Há um projeto de lei na Câmara dos Deputados para a inclusão do Criança Feliz no Sistema Único de Assistência Social, transformando o programa em política de Estado. Sua aprovação pode dar condições reais de expansão e proteção do programa.
O Primeira Infância para Adultos Saudáveis (Pipas) aproveitou campanhas vacinais cearenses para coletar dados sobre educação, saúde, nutrição e cuidados responsivos de milhares de famílias de crianças na primeira infância. O estado criou indicadores do desenvolvimento infantil, incluindo habilidades motora, cognitiva, de linguagem e socioemocional.
Conhecer a realidade das famílias com crianças e construir indicadores locais de desenvolvimento infantil, como fez o Ceará, otimiza investimentos e permite ações efetivas de cuidados com os pequenos.
Com o São Paulo pela Primeiríssima Infância, o estado adotou essa fase da vida como política pública. Depois de aprovar um plano para a área, foram construídos protocolos para dar corpo ao conjunto de ações e, mais recentemente, foi aprovado um orçamento de primeira infância para isso. O percurso de São Paulo pode inspirar os locais que neste momento constroem seus planos mostrando como tirar as estratégias do papel, amparando a formulação de diretrizes de implantação e orçamento.
As experiências acima atendem ainda a duas diretrizes do Marco Legal: promovem ações intersetoriais, unindo as três dimensões dos serviços de proteção (educação, saúde e assistência social), e articulam a cooperação entre as esferas de governo. Mantendo a analogia entre o período da primeira infância e o aniversário do Marco Legal, nós podemos dizer que os extraordinários avanços até aqui devem ser tão comemorados quanto os primeiros passos de uma criança. Mas não podemos parar neles. É essencial que os gestores públicos, legisladores e membros do Poder Executivo se engajem com vigor na construção de leis que reforcem e ampliem os sucessos que obtivemos até agora.
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