Carlota Aquino e Anton Schwyter - Carlota Aquino é diretora-executiva e Anton Schwyter é coordenador do Programa de Energia e Sustentabilidade do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
Difícil acreditar que o país que enfrentou a maior crise hídrica em quase um século no ano passado é o mesmo que assistiu, neste verão, às tragédias causadas pela chuva na região serrana do Rio de Janeiro, na Bahia e na região metropolitana de São Paulo, entre outras. A gravidade do cenário hídrico nacional é ainda maior tendo em vista que boa parte da população brasileira enfrenta problemas de abastecimento ou sequer dispõe de água encanada e coleta e tratamento de esgoto, e que as mudanças em curso no planeta tendem a agravar os desequilíbrios causados pelos eventos climáticos extremos.
Essa situação, combinada ao fato de que a atuação das diferentes esferas governamentais relativa ao tema limita-se a ações pontuais, emergenciais e ineficientes para garantir melhorias mínimas, exige uma inversão urgente da lógica em curso: precisamos inaugurar urgentemente uma agenda de soluções estruturais para os problemas.
A água, assim como a energia, é um direito-chave da população, na medida em que é fundamental para a obtenção de todos os outros: sem água é impossível ter acesso à saúde, alimentação de qualidade e educação.
A insegurança hídrica enfrentada por boa parte dos brasileiros mostra que o país ignora, no entanto, esse fato. Pesquisa realizada pelo Ipec — Inteligência em Pesquisa e Consultoria em novembro último para o Instituto Clima e Sociedade (iCS) mostrou que, para 52% dos entrevistados, faltou ou foi preciso racionar água em seus domicílios nos 12 meses anteriores, sendo que, para 18% deles, o problema se deu "muitas vezes" (número que sobe para 27% entre os entrevistados da região Nordeste). E a insegurança está presente quando se pensa no futuro: 25% e 43% dos entrevistados consideram que "com certeza" ou "talvez", respectivamente, faltaria água nos 12 meses seguintes.
Pior ainda é que, para parte significativa da população, a questão vai além e é sinônimo de total ausência do serviço: dados do Instituto Trata Brasil indicam que quase 35 milhões de pessoas não dispõem de água tratada em suas residências.
Por outro lado, a mesma água que falta nas torneiras eventualmente causa caos e desespero, situações que vêm aumentando nos últimos anos. Conforme levantamento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) de São José dos Campos (SP), o número de eventos extremos de chuva no início deste verão no Brasil foi recorde: em dezembro, foram emitidos 516 alertas de risco de desastres de origem geo-hidrológica, como deslizamentos de terra, inundações e enxurradas, para os 1.058 municípios monitorados atualmente pela instituição em todo o país. Desse total, 163 concretizaram-se em ocorrências. Considerando a quantidade de alertas enviados, o órgão avalia 2020, 2021 e, provavelmente, 2022 como os anos com mais episódios extremos de chuva.
Combinado aos problemas de infraestrutura, falta de planejamento urbano e ocupação inadequada ou irregular de morros, encostas e várzeas de rios, esse cenário reflete a urgência do enfrentamento pelo país das ameaças associadas às mudanças climáticas e à piora das condições socioeconômicas de milhões de brasileiros.
Este Dia Mundial da Água é, portanto, um momento para refletirmos sobre o que pode ser feito para interrompermos essa bomba-relógio. O cardápio de alternativas possíveis é tão amplo que, considerando-se a eleição presidencial, o ideal seria termos um candidato que considerasse a água como tema transversal em todos seus ministérios: água como foco de uma educação contra o desperdício, recursos hídricos como prioridade dos projetos de infraestrutura e uso mais eficiente na agricultura, além de melhorias na gestão dos reservatórios das hidrelétricas e redução das emissões de gases de efeito estufa para desacelerar as mudanças climáticas, entre outras ações. Melhorias legislativas nessas direções também deveriam pautar a agenda dos candidatos a deputados e senadores, enquanto os futuros governadores precisam atentar para a aplicação efetiva de políticas nessa direção nos estados.
De nossa parte, cabe considerar esse ponto de vista na hora de avaliar as propostas dos candidatos, cobrando melhorias e ação efetiva dos próximos mandatários. Afinal, é urgente que a insegurança hídrica seja contemplada na pauta eleitoral e que se comece a agir. Antes que seja ainda mais tarde.
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