ROBERTO IGLESIAS - Economista, especialista em comércio ilegal de cigarros
MONICA ANDREIS - Diretora-executiva da ACT Promoção da Saúde
Um dos maiores problemas do controle do tabagismo no Brasil é a presença de cigarros paraguaios, que entram ilegalmente no país, vendem-se barato porque não pagam impostos, e não cumprem com as normas requeridas para produtos semelhantes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, tais como advertências sanitárias, imagens ilustrativas de problemas causados pelo fumo e outras. Estima-se que o produto paraguaio representou 37,2% do consumo total de cigarros em 2019, segundo análise do Instituto Nacional de Câncer, baseada na Pesquisa Nacional de Saúde. Esse percentual, entretanto, é menor que o divulgado por estudos ligados à indústria do tabaco, que estimou o mercado ilegal em torno de 57% para esse mesmo ano.
O cigarro ilegal facilita a iniciação de jovens e também permite que quem queira parar por questões econômicas continue fumando. Assim, exacerba a carga de doenças e mortalidade prematuras associadas ao tabagismo que a sociedade brasileira já tem. Mais de 161 mil brasileiros morrem anualmente de forma prematura pelo tabaco, e os custos diretos anuais de tratamento com as doenças associadas chegam a R$ 50,2 bilhões, de acordo com estudo de 2020, do Instituto de Efectividad Clínica y Sanitária, enquanto as perdas econômicas com menor produtividade laboral e mortes prematuras é estimada em R$ 42,5 bilhões. A arrecadação da Receita Federal com impostos com o produto legal é de somente R$ 12,2 bilhões.
A entrada de cigarros a partir do Paraguai sem pagamento do IPI e demais impostos é um problema antigo, de 32 anos. O país vizinho pode exportar porque há produção de cigarros por lá, acima dos níveis de consumo daquele mercado. Talvez seja esse um dos mercados ilícitos de cigarro mais duradouros desde que o mundo iniciou o consumo desse produto.
Essa duração foi possível por inúmeras razões, entre elas porque o Brasil teve e tem dificuldade para colocar com firmeza o tema na agenda de negociação bilateral com o Paraguai, pela existência de outros contenciosos mais prioritários entre os dois países ou por causa de interesses econômicos e políticos relacionados com esse comércio nos estados que fazem fronteira com o país.
Há caminhos para mudar essa situação. O Senado paraguaio tem previsto para este mês discutir a ratificação do Protocolo para a Eliminação do Comércio Ilícito de Produtos de Tabaco, da Organização Mundial da Saúde, instrumento internacional para o enfrentamento do problema do contrabando por meio de diversas ações em âmbito nacional e com cooperação internacional. O Brasil ratificou esse protocolo em 2018, e outros 63 países também já o fizeram.
Esse é um problema complexo que, sem dúvida, deve ser enfrentado e combatido pelos dois países, porém de forma correta e por meio de ações integradas, como as sugeridas pelo protocolo. Por isso é importante implementá-lo em âmbito nacional e apoiar a ratificação pelo Paraguai, que poderá estimular a busca das empresas paraguaias e a aceitação brasileira da formalização do comércio bilateral desse produto. Essa iniciativa do Senado paraguaio deve ser aplaudida e apoiada pelo governo e a sociedade civil também aqui, no Brasil.
A ratificação do protocolo no Paraguai obrigará as autoridades paraguaias a marcar e identificar seus cigarros e as empresas do país a serem responsáveis para onde e como seus produtos são comercializados. Por seu lado, o Brasil poderá usar as disposições de cooperação e intercâmbio de informações entre países-partes do protocolo para atuar junto às autoridades paraguaias, nos casos de captura no seu território de cigarros marcados e não destinados ao Brasil.
As alterações jurídicas promovidas pela ratificação e implementação no Paraguai mudarão as regras atuais do jogo. O protocolo criará constrangimentos para as vendas de cigarros das empresas paraguaias ao mercado ilegal, estimulando por parte delas, como a única saída, a busca da exportação formal para escoar a capacidade de produção. Nesse contexto, regrado pelo protocolo, o Brasil deve negociar e cooperar com o Paraguai, considerando os pedidos de formalização das exportações.
Para a transparência e formalização econômica paraguaia e sua plena adesão aos compromissos internacionais assumidos com a Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, esse passo é de fundamental importância. E para a saúde e a economia do Brasil, é absolutamente crucial essa ratificação.
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