Os costumes de casa vão à praça, diz um velho ditado popular. Revelam o nível de educação de uma ou de um grupo de pessoas. E nem sempre são bem recebidos ou ignorados. Na sexta-feira (18/3), o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo, por unanimidade, abriu processo de cassação do mandato do deputado Arthur do Val (sem partido, depois de se desligar do Podemos), também conhecido como Mamãe Falei. Ele falou demais durante visita à Ucrânia, no início da guerra deflagrada pela Rússia. Gravou comentários chulos, sexistas, machistas e indecorosos sobre as mulheres ucranianas. Disse que eram "fáceis por causa da pobreza".
O áudio, enviado a um grupo de amigos, segundo ele, viralizou nas redes sociais e revelou o quanto o parlamentar, que chegou a postular uma candidatura ao governo paulista, tem uma compreensão torpe do sexo oposto. A defesa do deputado alega que ele não pode ser punido, porque estava licenciado do cargo. "As falas privadas do representado (do Val, ainda que repulsivas e grotescas — e assim são, de fato, pois já reconhecidas como tal pelo próprio acusado — são opiniões de forma privada, equiparando o eventual ilícito a 'crime de opinião'."
Seja no exercício da legislatura, seja licenciado, a condição de parlamentar, eleito pelo povo, não muda. Pelo contrário, a liturgia do cargo exige de autoridades públicas comportamento adequado à função que exercem, exemplos compatíveis com os conceitos de respeito, civilidade e urbanidade. Obviamente, essa exigência nem sempre é respeitada no Brasil. No ano passado, o deputado estadual Fernando Cury (expulso do Cidadania), também da Alesp, passou a mão no seio da colega Isa Penna (PSol) durante uma sessão extraordinária para votar orçamento do estado.
O vídeo da cena protagonizada por Cury também teve repercussão por meio dos veículos de comunicação e pelas redes sociais. Ele foi afastado por alguns meses do cargo, e o abuso cometido não resultou em punição mais severa. A falta de uma reação adequada das autoridades, sobretudo das que estão nos legislativos, em todos níveis — municipal, estadual e federal — revela o descaso tanto de homens quanto de mulheres eleitas. Nesses casos, passa-se a mensagem que a afronta ao sexo feminino tem pouca ou nenhuma importância. O decepcionante desfecho é, na verdade, um estímulo e um reforço à coisificação da mulher pelo sexo oposto.
Não à toa, o Brasil é o quinto país mais perigoso para as mulheres. No ano passado, ocorreram um estupro a cada 10 minutos e um feminicídio em intervalos de sete horas (1.319). A motivação é o machismo incrustado num processo educacional inadequado, em que equidade de gênero é quase expressão proibida, e não abordada nos ambientes escolares.
As condições socioeconômicas e a origem étnica — ricas ou pobres, negras ou brancas — se tornaram quesitos para as diversas formas de violência contra a mulher, que vão desde ofensas verbais, morais, espancamentos, estupro e, por fim, o homicídio. A mudança dessa realidade nacional, que não respeita fronteiras, exige uma revisão séria dos padrões educacionais dominantes no país, para elevar o padrão brasileiro de civilidade. Impõe-se à Assembleia Legislativa de São Paulo uma resposta rigorosa e exemplar, a fim de inibir as afrontas ao universo feminino.
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