Guerras, quer queiram ou não, também podem ser enquadradas na categoria de processos didáticos. Pelo menos no que diz respeito às lições e aos exemplos de tudo o que não deve ser feito. Mesmo sabendo que as guerras se alimentam famintas do sangue humano, há nelas aquela parcela de humanidade que nos faz refletir sobre a possibilidade, sempre perdida, de buscarmos a luz do humanismo dentro de nós.
O que se expressa nesse teatro de horrores é nossa metade niilista, escondida em nossas sombras e que nos faz mover dentro da pulsão de morte, no embate permanente entre Eros e Tânatos. Eis-nos na guerra com a nossa meia face animal, todo feito de instintos, como uma cicatriz profunda e marcante que trazemos desde a pré história humana.
Espantoso notar que a maioria absoluta daqueles que se veem diretamente imersos nesse mar de sangue é, justamente, a que mais anseia manter distância desse pesadelo. Infelizmente, aqueles que escrevem, nas minúcias das estratégias militares, todo esse bailado de morte, permanecem bem distante desse palco, na paz e no aconchego aquecido de seus lares, em segurança com a família, vendo pelo noticiário o empilhar de corpos que aumenta do dia para a noite.
Difícil encontrar numa guerra fratricida quem verdadeiramente odeie, de morte, seu semelhante. Há um ódio, sim, contido e até inexplicável que todo soldado alimenta contra os políticos e generais que os empurraram, ainda na flor da idade, para dentro do barco de Caronte, numa viagem sem volta.
A oeste do planeta, nada de novo. A leste, também. Todos ensaiam a coreografia do que pode ser peça derradeira. Os estrategistas, os generais e os políticos, que, por seu protagonismo a catalisar a dores, observam do camarote o desenrolar dos acontecimentos, quando, por dever moral, deveriam ser os primeiros a marcharem nas frentes de batalhas. Esta e todas as guerras não têm ligação ou parceria qualquer com a juventude. São, por sua essência, uma questão íntima, pertencente somente àqueles que brindam a morte. É a covardia velhaca, transmutada em ciúmes, a empurrar os jovens para o fim da vida.
Obviamente, todo esse espetáculo, erguido com carne e ossos, conta, como em todo show business de monta, com o patrocínio bilionário das empresas de armamentos tanto do Ocidente quanto do Oriente. Os empresários da morte são os principais mecenas a dar suporte a arte da guerra. Eles também se alimentam do sangue dos mais jovens. Seus produtos, de última geração tecnológica, são concebidos, exclusivamente, para ser usados por soldados de tenra idade. São esses recrutas que azeitam suas engrenagens com sangue vivo.
Pudessem as taças de vinhos, com que esses magnatas, elite da guerra, brindam o sucesso de seus empreendimentos malignos, ser transmutadas de vinho para sangue, por certo, não notariam a diferença no paladar. Quantos soldados, em suas trincheiras, nas noites gélidas de inverno, entre a vigília e o sonho, não imaginaram a possibilidade de uma união entre jovens de todo o mundo para lutar, sim, contra essa horda de decrépitos assassinos? Quantos daqueles que, de arma em punho, não desejaram estar em casa, longe do conflito, beijando sua amada, seu filho, sua mãe? Quantos desses mesmos soldados, de um lado e de outro, não sonham com um acordo, breve e definitivo, de paz?
Estranho pensar que os que estão em luta querem, no íntimo da alma, trégua e paz. Sendo que aqueles que anunciam, com estardalhaço aos quatro ventos, que desejam a paz são, justamente, os que alimentam o desejo por mais mortes e escombros. Os degraus da glória, de um pequeno punhado de homens solitários e vazios, que mais tarde serão os únicos a serem citados nos livros de história, são montados sobre cadáveres, principalmente daqueles conhecidos como o soldado desconhecido, a quem prestam homenagens sem sentido, com coroas de flores sem perfume.
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