COMBUSTÍVEL

Artigo: O poder do petróleo

Correio Braziliense
postado em 15/03/2022 06:00
 (crédito: Maurenilson Freire)
(crédito: Maurenilson Freire)

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF - Jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

Dois jornalistas, com as respectivas companheiras, decidiram passar um final de semana em Belo Horizonte para apreciar as delícias da cozinha mineira. A história aconteceu em 1977 durante o governo Geisel. O mundo vivia, naquele momento, profunda crise do petróleo, consequência da guerra entre Israel e os países árabes. O preço do barril saiu de três para 12 dólares em poucos meses. Hoje, está em torno de US$ 110. As principais economias do mundo entraram em crise. Algumas decretaram racionamento feroz, outras deixaram o preço subir às alturas. Os países ocidentais experimentaram uma recessão pavorosa. Andar a pé ou de bicicleta virou moda. No Brasil foi implantado o racionamento. O usuário de veículo deveria ter um cupom que determinava quantos litros poderia utilizar por determinado período. O ministro da Fazenda era Mário Henrique Simonsen, naturalmente o cupom de racionamento ganhou o apelido de simoneta. Os postos de combustíveis passaram a fechar durante a noite. Nas cidades, fechavam das seis às seis da manhã. Nas estradas, das nove da noite até as seis da manhã.

Aqueles dois casais, referidos no primeiro parágrafo, decidiram viajar de carro de Brasília a Belo Horizonte no Monza, bom veículo nacional, que consumia algo como 8/9 quilômetros por litro de gasolina. Saíram no final da tarde, confiando que teriam autonomia para chegar à capital mineira. Tudo corria bem até que furou um pneu. Colocaram o reserva, mas foi necessário parar e consertar o que havia furado. O borracheiro levou mais de uma hora para tapar o furo. Os postos fecharam e eles ficaram com gasolina apenas para chegar até metade do caminho, a pequena Três Marias, nas margens do Rio São Francisco.

Sem o trânsito da BR 040, a cidade fecha. Por volta das dez da noite, não havia um único bar ou restaurante aberto na cidade. Eles queriam comer alguma coisa. Procuraram informação no ponto de táxi, onde o único motorista estava dormindo. Recomendou a zona do baixo meretrício porque as meninas poderiam estar acordadas naquela hora. Os quatro foram até lá e bateram com o nariz na porta. As moças já tinham ido dormir porque não havia freguesia. Uma delas, insone, arriscou: — O ônibus de Curvelo chega à uma hora da manhã. O restaurante da rodoviária deve estar aberto, porque ele estaciona lá.

Os quatro foram até o restaurante e o gerente estava dormindo sobre o balcão. Acordou com dificuldade. Disse que estava sozinho, não tinha condições de fazer nada, mas poderiam pegar refrigerantes na geladeira. Acontece que um dos quatro era exímio cozinheiro. Ele foi para a cozinha, providenciou um tremendo bife a cavalo, com arroz e batatas fritas. O outro providenciou quatro caipirinhas e botou a cerveja para gelar. O mineiro, gerente do restaurante, assistiu à cena calado, com rabo de olho.

A área econômica do governo brasileira entrou em modo de guerra na época. Havia duas alternativas: decretar um brutal racionamento de combustível no país ou aumentar o endividamento externo brasileiro para adquirir petróleo e abastecer o mercado interno. O Brasil produzia pouco mais de 700 mil barris/dia e consumia o dobro. Importar era necessário. Mas os novos preços eram exorbitantes. No período surgiu o programa do álcool, no Ministério de Indústria e Comércio, então dirigido por Severo Gomes.

Etanol é combustível extraído da cana-de-açúcar, renovável, brasileiro, com toda sua operação realizada em moeda nacional. Em pouco tempo, surgiram os primeiros veículos movidos a álcool. Eram precários, mas substituíram bem os movidos a gasolina. Mas o produtor de álcool é, ao mesmo tempo, o produtor de açúcar. Quando o preço do açúcar está melhor no exterior ele passa a exportar. Esquece o álcool.

O governo Geisel optou por elevar o endividamento para abastecer o mercado interno. A consequência foi a hiperinflação que durou uma década. E uma enorme dívida externa. A deterioração da economia terminou por derrubar o governo militar, sem golpe de Estado. Petróleo tem poder para destruir reputações, desmanchar sistemas políticos e governos. Em qualquer tempo, em qualquer lugar. Exemplo é o governo dos Estados Unidos que, agora, retomou diálogo com os antigos inimigos da Venezuela e do Irã. Motivo? Petróleo.

Bombas na Ucrânia aumentam preços do combustível no Brasil. Ameaçam a reeleição de Bolsonaro. Os dois casais que jantaram na rodoviária de Três Marias se preparavam para sair quando o gerente chamou um deles, o cozinheiro. Perguntou: vocês podem ficar aqui mais um pouco e fazer o jantar para os passageiros do ônibus de Curvelo?

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