Maurício Antônio Lopes - Pesquisador da Embrapa Agroenergia
Os maiores problemas do nosso tempo estão enraizados em múltiplos domínios e só podem ser tratados adequadamente se ampliarmos o nosso conhecimento sobre a natureza interconectada dos sistemas naturais, sociais, econômicos, políticos, culturais etc. Esse é o caso da inesperada pandemia de covid-19, que bem ilustra os riscos que podem emergir de inter-relações complexas entre elementos biológicos, físicos, sociais, culturais, políticos e tecnológicos.
É por isso que o conceito de nexo — ou temas vinculados por múltiplas conexões — ganha cada vez mais espaço no mundo da ciência e na vida da sociedade. Como o nexo "alimento-nutrição-saúde", que nos estimula a superar a desvinculação entre os sistemas alimentares e de saúde e suas graves consequências para a sociedade. Ou o nexo "alimento-energia-sociedade" que, frente a crises e conflitos cada vez mais frequentes, alerta para os tênues equilíbrios a que todos estamos sujeitos.
Alimentos e energia são elementos críticos para a sociedade, ambos dependentes de recursos de um planeta em estresse, o que coloca formuladores de políticas diante de escolhas difíceis e complexas. Em todos os países, interesses domésticos e internacionais travam lutas intrincadas que impactam a capacidade de governos formularem políticas coerentes para prover suas populações com alimentos e energia sem afronta aos preceitos da sustentabilidade.
A crise climática — que o mundo não tem conseguido superar — nos mostra que há sérios erros de design nos mercados globais de energia e alimentos, que precisarão de mudanças profundas se queremos avançar na direção de um futuro sustentável. Mudanças desde a forma como produzimos e consumimos alimentos, como operamos os nossos sistemas de transporte, como fornecemos energia à nossas casas e indústrias, até o modo de se definir políticas e subsídios.
O conflito Rússia-Ucrânia também nos oferece exemplos cristalinos do erro de design do modelo econômico corrente, que tolera equilíbrios extremamente tênues e cultiva dependências perigosas. É constrangedor que muitos ao serem confrontados com a escalada nos preços da energia, com os cortes nos fluxos de fertilizantes e os riscos de desabastecimento de alimentos em escala global concluam simploriamente que esses são males inevitáveis, por estarmos submetidos à lógica dos mercados em uma economia capitalista e globalizada.
Pesquisa da empresa de marketing e relações públicas Edelman, em 2020, detectou que 56% das pessoas já consideram que "o capitalismo como existe hoje faz mais mal do que bem para o mundo" e que o aumento da desigualdade está levando as pessoas a confiarem menos nas instituições e nos líderes e a experimentarem crescente sentimento de injustiça. O Relatório de Riscos Globais, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, em 2022, alerta a sociedade civil, governos e empresas para o perigoso aumento das disparidades dentro e entre os países.
A despeito desse quadro preocupante, é prudente acreditar que o capitalismo, que já se reinventou antes, evoluirá para ajudar o mundo a superar as falhas no enfrentamento das mudanças climáticas, a erosão da coesão social e a crise dos meios de subsistência. Tal reinvenção precisará ser capaz de estimular governos, empresas, mídia e a sociedade civil organizada a encontrarem propósitos comuns, operando em sintonia para busca de solução para os graves problemas à frente.
Um paradigma de capitalismo que aceite e estimule a busca de soberania alimentar e energética é um imperativo para a remoção dos sérios erros de design dos nossos sistemas econômicos. A política energética que impera em todo o mundo trabalha contra os direitos das comunidades e indivíduos de fazerem suas próprias escolhas em relação às formas, escalas e fontes de energia, quase sempre impondo barreiras à transição para sistemas energéticos descarbonizados, essenciais para resposta à crise climática. Veja-se, por exemplo, os preços abusivos do nosso brasileiríssimo e renovável etanol nas bombas de combustível.
Nada é mais lógico para um país como o Brasil, que buscar sua soberania alimentar pelo equilíbrio entre a agricultura empresarial, exportadora e geradora de riquezas, e a agricultura de menor escala, que garanta capilaridade e diversidade à produção e à distribuição de alimentos. Além do fortalecimento de estoques reguladores e suporte a políticas e programas de segurança alimentar centrados nas populações mais pobres e vulneráveis. Esse é o caminho prudente para escaparmos da incômoda situação de país com milhões de cidadãos em situação de insegurança alimentar, ao mesmo tempo provedor de alimentos para centenas de mercados ao redor do mundo.
Aos muitos que se acostumaram a questionar quaisquer possibilidades de mudanças no paradigma econômico corrente, vale lembrar René Descartes, filósofo francês e grande expoente do racionalismo, que ensinou séculos atrás que "não existem métodos fáceis para resolver problemas difíceis". O mesmo Descartes nos deixou a frase icônica "penso, logo existo", um convite à superação do ceticismo e do imobilismo.
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