mulheres negras

Artigo: Viva Maria de Lourdes Vale Nascimento e as negras comunicadoras

Correio Braziliense
postado em 12/03/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

RACHEL QUINTILIANO - Jornalista, podcaster, ativista, colunista da Revista Raça e membro-fundadora da Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do DF

Que nossos passos vêm de longe não há dúvida. A população negra no Brasil se articulou rapidamente, primeiro, por liberdade dos corpos e por existência (e segue fazendo isso até hoje) e, depois, para construir as próprias narrativas sobre o que significa ser negro neste país. A despeito do pouco diálogo sobre o assunto, a imprensa ou a mídia negra e a participação das mulheres negras são motivos para celebrar, mais uma vez, e colocar suas conquistas e legado em evidência por ocasião do 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.

Entre as que merecem homenagem, que reforçam a importância do legado e da história e presença negra neste país, está Maria de Lourdes Vale Nascimento (1924-1995), professora, assistente social, intelectual, ativista e colunista do jornal O Quilombo, que contribuiu e sedimentou espaço para as comunicadoras negras. É importante registrar que 55 anos antes da abolição da escravatura no país, surgia na cidade do Rio de Janeiro o primeiro jornal de mídia negra do Brasil, o periódico O Homem de Côr, em 14 de setembro de 1833. Entre os principais veículos de imprensa negra no século 19 estão O Homem de Côr (Rio de Janeiro,1833), O Brasileiro Pardo (Rio de Janeiro, 1833), O Homem (Recife, 1876), A Pátria (São Paulo, 1889), O Exemplo (Porto Alegre, 1892) e O Progresso (São Paulo, 1899).

No século seguinte, após a primeira década de abolição da escravatura, a mídia negra ganhou novo caráter, o associativismo, a multiplicidade de perspectivas num mesmo momento, fases do movimento negro, esforço coletivo de produção de conhecimento, intensificação dos diálogos internacionais e as vozes femininas, como ensina Ana Flávia Magalhães Pinto, também comunicadora, historiadora e professora na Universidade de Brasília (UnB).

No século 20, se destacam os veículos como O Alvorada (Pelotas, 1907), O Menelick (Rio de Janeiro, 1916), A Rua (São Paulo,1916), O Bandeirante (1918), O Kosmos (São Paulo, 1922), Elite (São Paulo, 1924), Getulino (1924), O Clarim (São Paulo, 1924), A Voz da Raça (1933), Quilombo (1948), Cruzada Cultural (São Paulo 1950), Tição (Porto Alegre, 1978) e Maioria Falante (1987).

Foi nesse momento que as mulheres começam a "aparecer" na mídia negra. Segundo a pesquisadora Mariana Pereira de Almeida Mello, negra paulistana, o lugar destinado para a mulher negra na mídia (jornal), no início do século 20, não era prioritariamente o de autora das próprias histórias. Pelo contrário, na maioria dos casos, era idealizada e descrita por homens e, nesse discurso, eram frequentes as recomendações de como as mulheres negras deveriam ser e se comportar.

Obviamente, as mulheres não aceitaram facilmente esse papel ou lugar e, ainda que, em raros momentos, se atrevessem a colaborar com essas publicações produzindo conteúdos, assumiram papel relevante na condução dos eventos promovidos pela mídia negra daquela sociedade. Essas mulheres não estavam passivas e buscaram lugar de destaque e de tomada de decisões nos processos que levaram à constituição e permanência da mídia negra brasileira.

Retomando a discussão sobre a presença feminina na mídia negra, a pesquisadora Giovana Xavier, em artigo sobre Maria de Lourdes Vale Nascimento, resumiu a atuação da jornalista, intelectual, no jornal a partir de três perspectivas ou movimentos: "Conectar a raça ao feminino; manipular símbolos femininos universais (brancos) em prol da construção de uma identidade particular para o feminino negro e a luta por um tratamento equivalente ao recebido pelas mulheres brancas".

Maria de Lourdes foi uma pioneira, uma referência para outras e fundamental para a construção do significado do feminino negro por meio da imprensa. Ela usou a mídia negra para construir um lugar e papel para as mulheres negras, mas também lançou mão de estratégias de comunicação e semiótica para disseminar seu pensamento e articular as mulheres de "cor" no espaço impresso da coluna "Fala à Mulher", as quais tratava como "amigas leitoras" e "patrícias de cor".

Neste mês do 8 de Março, celebrar a existência de mulheres como ela é uma oportunidade para, mais uma vez, demonstrar e dar visibilidade a capacidade das pessoas negras e, especialmente aqui, das mulheres negras, em contribuir estrategicamente e com êxito para a utopia do bem viver de todos. Viva Maria de Lourdes Vale Nascimento e toda a geração de mulheres negras comunicadoras que vieram antes e virão depois dela.

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