economia

Artigo: Globalizações e instituições nacionais

Correio Braziliense
postado em 11/03/2022 06:00
 (crédito: THIERRY CHARLIER)
(crédito: THIERRY CHARLIER)

CARLOS A. CINQUETTI - PhD em economia, é professor de matemática e computação da Unesp

Por paradoxal que pareça, as globalizações fortaleceram os Estados nacionais. Produziram, nos países que as abraçaram, melhor governança institucional, assegurando maior compromisso entre agentes econômicos e políticos. Criaram, assim, economias nacionais mais eficientes.

Na globalização dos anos 1870 ao início do século 20, emerge o Estado do bem-estar social. Emergiu como um arranjo político no qual apoio à abertura comercial por sindicatos e partidos operários foram colados à demanda por redes de proteção no desemprego e apoio na formação educacional. Esquemas de seguro social que funcionam como incentivos ao esforço dos trabalhadores, cobrindo seus riscos na qualificação para tarefas e as mudanças no mercado.

Um esquema de maior cooperação expandiu o capital social (a confiança mútua entre agentes). Conteve, à época, a crescente vaga socialista, cujo alvo era, ao contrário, extremar os conflitos sociais. Na Rússia, que não avançou nessa direção, o resultado econômico foi outro.

A segunda globalização, dos anos 1990 a 2010, está associada, no espaço internacional, ao fácil fluxo de ideias e a resultantes cadeias globais de produção. Também à convergência no desenvolvimento. Daí a centralidade da Ásia e da China, o que envolveu, além da abertura dos mercados, mudanças nessas sociedades e economias.

Na China, o Estado já provia uma espécie de seguro social, mas o regime político dava enorme arbítrio aos incontroláveis poderes estaduais e municipais. Percebendo as condutas predatórias que disso seguiam, a liderança do PC Chinês desenhou uma descentralização econômica casada com incentivos a investimentos. A descentralização (com transferência) fiscal foi condicionada a investimento por estados e municípios, que também podiam ser sócios em empresas locais.

Criaram-se, assim, governos regionais mais sintonizados com a economia. Que competem entre si em oportunidades de investimentos para empresas e famílias, via provimento de bens públicos locais (segurança, estradas, escolas etc.). Em suma, políticas para o bem comum, que ampliam oportunidades no mercado para todos, amarraram saída da pobreza e prosperidade.

O entreguerras, de 1914 a 1944, é um belo contraponto às globalizações. Os mercados se fecharam e a política também (fascismo e nazismo). Governos passam a controlar mercados e até atividades produtivas. Por esse meio, controlam politicamente empresários e trabalhadores. Após a crise dos anos 1930, tal modelo foi copiado na América Latina por países como Argentina e Brasil, igualmente sob ditaduras brutais.

Após a 2ª Guerra, tal modelo sucumbe na Europa, mas persiste nos países latino-americanos. Sobretudo porque as novas regras do GATT, impondo liberação recíproca dos mercados entre países membros, liberou as nações em desenvolvimento de tal compromisso. Por fins do século 20, vêm a democratização e o início da abertura econômica, com a segunda globalização. Mas poucos dos maiores países da América Latina (AL) abraçaram, plenamente, essas mudanças institucionais, logrando com isso, expansão nos investimentos e convergência com países desenvolvidos.

No Brasil, a abertura comercial estanca em 1993 e, com ela, as reformas para um ambiente institucional de melhor governança. Persistiu, ou agravou, a situação de ativos informais, que não viram capital. De unidades produtivas sem a formalidade requerida de firmas, e mercados onde a informalidade impede a concorrência amparada na lei. Sem fortalecimento das instituições econômicas, não surpreendem as acelerações condicionais a boom de commodities e a pífia média de 17% nos investimentos desde 1995.

Baixo investimento na capacidade estatal é o outro lado desta história. No provimento de bens públicos, tais como estradas, qualidade da escola pública, o que reforçou as desigualdades econômicas regionais e entre grupos sociais e étnicos. Na garantia da lei, como patente ainda no crescimento das organizações criminosas e nas habitações irregulares, de pobres e ricos, cada vez mais distantes — a despeito do melhor Gini.

A política não foi pautada por busca de eficiência econômica. Mesmo a lei de responsabilidade fiscal teve sérios contrapesos: veio após enorme alta nos impostos e sem condicionantes de investimentos públicos. Sintomático que a única inovação política então foi expansão nos mandatos do Executivo. Igual para os ganhos tributários seguintes do boom das commodities. Não levaram a maior investimento governamental em estradas, saneamento e mobilidade urbana, mas, sim, em espetáculos esportivos e transferência de renda (políticas distributivas). Garantiram trunfos eleitorais com os mais pobres, mas o exacerbado rentismo político via estatais acabou brecado na justiça.

Por fim, a vitória de um candidato liberal que governou por um antiliberalismo político. Inundou o Executivo de militares, ameaçou os demais poderes e promoveu guerras religiosas e culturais. O estilo beligerante travou a reforma tributária e maiores avanços na abertura comercial. Mesmo a pretendida melhora no trabalho formal naufragou. Mais recentemente, anunciou reformas para reduzir o emprego formal. Reforçou, finalmente, o isolamento do país em confrontos ideológicos (antiambientalismo e anticomunismo) com os principais parceiros no Ocidente e Oriente.

Como sair deste mau equilíbrio, avançando para firmes melhoras institucionais? Um choque equivalente à globalização seria o ingresso na OCDE. Imporia regras que ampliam transparência e o compromisso das instituições políticas. Mas, numa democracia, o avanço para instituições mais comprometidas depende de maior coesão social. De cidadãos com menor resistências interétnicas (ou intersociais), e mais focados no bem comum.

Mas a confiança interpessoal do brasileiro é muito baixa; a mais baixa da AL (pelo LatinoBarometro). Outra perda do isolamento internacional. Conforme estudos, essa base cultural da maior coesão política, a confiança, é um subproduto das economias abertas.

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