Guerra no leste europeu

Rodrigo Craveiro: Conflitos inúteis

Rodrigo Craveiro
postado em 09/03/2022 06:00
 (crédito:  UN Photo/Loey Felipe)
(crédito: UN Photo/Loey Felipe)

"Papai saiu de casa com um mar de saudade nos olhos e um rio de dor no coração. Nas armas, um fuzil. Na alma, a solidão. Eu me lembro de mamãe... Tinha o olhar perdido no futuro vazio, na certeza do luto, da finitude, de um tempo bruto, de tiros e de homens-animais. Papai não voltou jamais. Fiquei com a saudade e com a dor."

Atônito e atordoado com as imagens da guerra, rabisquei esses versos. São reversos da alma. Transparecem tudo o que há de mais podre na condição humana: a violência desmedida, o ódio oficializado e irracional, o desprezo pela vida. Tinha acabado de ver a foto de uma família dizimada por projéteis de artilharia, em Irpin, perto de Kiev. Uma mulher; o filho adolescente; a filha de cerca de 8 anos; e um amigo morreram diante das câmeras. Fugiam do horror. Toparam com ele.

Guerras são injustificáveis. Expõem a podridão do homem, a putrefação do poder, a ganância pelos territórios. Uma sanha quase medieval pela conquista de outros povos e de outras culturas. As fotografias de ucranianos forçados a abandonar seus lares e suas vidas para escaparem da morte são indefensáveis. Machucam, agridem, violam o bom senso. Nos últimos dias, vi gente defendendo a Rússia e tentando explicar o inexplicável. Culparam os planos de Kiev de aderir à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Disseram que isso equivaleria a apontar uma arma para a cabeça do vizinho. Uma metáfora exagerada.

Nada justifica o ímpeto do presidente russo, Vladimir Putin, em atacar a Ucrânia. Moscou ignorou e atropelou a diplomacia. Com a invasão, os russos condenaram a ex-república soviética a um futuro de instabilidade e de dor, talvez até ao desaparecimento, enquanto uma nação soberana e independente. É inadmissível que Putin se comporte como um czar em pleno século 21. Não bastassem a mordaça imposta à população, os atentados contra opositores e o sufocamento de adversários políticos, o autocrata russo lança o próprio país em rumo incerto, ante tantas sanções econômicas. Ao ameaçar uma ofensiva nuclear, Putin agrava a tensão com o Ocidente. O bombardeio a uma usina atômica, dias atrás, parece ter sido uma espécie de chantagem com tom de terrorismo radioativo. O mundo esteve a um passo de uma catástrofe de proporções aterradoras.

Enquanto muitos de seus órfãos ficam com a dor e com a saudade, a Ucrânia segue praticamente abandonada pela comunidade internacional. Sanções não demoverão Putin em sua "aventura" sangrenta na Ucrânia. Pelo contrário, a inépcia da Europa e dos EUA em lidar com a guerra pessoal do czar do Kremlin pode incentivá-lo a tentar expandir suas fronteiras. A um custo de mais vidas, mais refugiados e mais tragédias.

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