Por via aérea, a Rússia está há quase 15 mil quilômetros de distância do Brasil. A Ucrânia fica um pouco mais perto, menos de 11 mil quilômetros. Países tão distantes, mas, ao mesmo tempo, muito próximos, devido aos avanços tecnológicos que nos permitem viajar pelo planeta e assistir ao bizarro, ou ao belo, sem sair da poltrona. Pela telinha, é possível ver trechos da guerra entre os dois países. Uma atrocidade que resulta do impasse entre supostos civilizados. A fúria desperta a irracionalidade e torna os homens algozes da própria espécie.
Enquanto estamos com a atenção voltada à telinha, atraídos pelas cenas de violência e de sofrimento, deixamos de enxergar o que ocorre ao nosso redor. Na comparação com as distâncias entre Brasília e Rússia ou Ucrânia, a Amazônia é nossa vizinha de porta — fica a 2.081 km do Planalto Central. Lá, as populações originárias estão sendo, como os ucranianos, trucidadas por soldados dos crimes ambientais — mais de 20 mil garimpeiros em terras Yanomami, além de madeireiros e outras legiões de predadores, com elevado poder letal. Em 2020, 66 indígenas foram assassinados em Roraima, 41, no Amazonas e 34, em Mato Grosso do Sul, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena. Os invasores são também transmissores de doenças infectocontagiosas. Em 2020, levaram para as aldeias a covid-19, que causou o óbito de pelo menos 900 indígenas. A intervenção danosa no ambiente fez ressurgir os focos de malária.
É uma guerra contra os povos originários. A diferença é que nessas áreas não há cobertura jornalística, com transmissões ao vivo, nem especialistas para avaliar ou fazer projeções dos danos ao longo do tempo. Mas as batalhas ocorrem diariamente. O poder público bem conhece os invasores e seus líderes. Mas nada faz. Pelo contrário, cria áreas de minigarimpos (?) incidentes em terras indígenas — escancara a porteira. Eles funcionam como equipe precursora. Abrem caminho para a instalação de atividades ilegais, que afrontam a Constituição e destroem a vida e as culturas dos guardiões da floresta e das comunidades tradicionais — humanos que devem ser eliminados, para não comprometer o lucro dos predadores.
Na semana passada, o dominicano e escritor Frei Betto lançou a Carta da Quaresma 2022, uma campanha para arrecadar recursos financeiros em favor do povo Yanomami, que vive na floresta entre Amazonas e Roraima — doações à Hutukara Associação Yanomami, Banco do Brasil, agência 2617-4, conta-corrente 58.918-7, o CNPJ é 07.07.615.695/0001-65. Os yanomami são mortos pelos bandos de garimpeiros, que degradam as áreas de caça, contaminam rios com mercúrio, o que compromete a saúde humana e a pesca, transmitem doenças, estupram mulheres e meninas. A fome chegou às aldeias. Crianças esquálidas não resistem à desnutrição. Uma tragédia humanitária devastadora.
Vivemos em um cenário em que o avanço da miséria se traduz em perdas de milhares de seres humanos, mas não tem importância. As catástrofes climáticas que engolem seres inteiros, como em Petrópolis, são atribuídas à natureza, o que inocenta os desprezíveis gestores públicos. A sucessão de adversidades não satisfaz. É preciso promover guerra, destruir mais lares e vidas, expandir o luto, tornar o mundo mais obscuro e tenebroso. É essencial asfixiar a esperança por dias melhores. Paz, equidade e bem-estar coletivo se tornaram palavras proibidas. A humanidade cede lugar à selvageria e ao terror. Respeito é termo revogado. Os iguais são inimigos. A ordem é destruir. O inconformismo precisa renascer para rebrotar a benignidade.
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