A decisão do presidente Jair Bolsonaro de pregar a neutralidade ante a guerra entre a Rússia e a Ucrânia não está impedindo o Brasil de ser engolfado pelos conflitos. O impacto mais imediato veio ontem, diante da decisão do país de Vladimir Putin de suspender as exportações de fertilizantes. O agronegócio brasileiro é muito dependente dos produtos russos. Do total de adubos usados nas lavouras, mais de 20% vêm da Rússia. Os estoques nacionais, pelos cálculos da Anda, associação que representa o setor de fertilizantes, dão apenas para mais três meses. Bolsonaro justificou sua visita ao ditador Putin uma semana antes da invasão à Ucrânia como forma de garantir o suprimento dos insumos ao Brasil. De nada adiantou.
O enrosco da guerra passa pelo sistema de saúde. A empresa ucraniana Indar, com sede em Kiev, fechou acordo com o Ministério da Saúde para o fornecimento de 20 milhões de doses de insulina, das quais 8 milhões ainda não foram entregues — nem serão tão cedo por causa do bombardeio no Leste Europeu. O quadro só não é mais preocupante, porque o ministério firmou contrato com a norueguesa Novo Nordisk, o que garantirá o suprimento do SUS até abril de 2023. Para que o desabastecimento não se torne uma realidade e os diabéticos não fiquem sem atendimento na rede pública, o governo terá de se desdobrar em busca de novos fabricantes.
Os brasileiros também terão de lidar com a alta dos preços dos combustíveis. Se a Petrobras realmente acompanhar a disparada das cotações do barril de petróleo no exterior, que flertam com os US$ 120, os combustíveis ficarão entre 20% e 25% mais caros. No Distrito Federal, as projeções apontam para o litro da gasolina próximo de R$ 7,50. Mesmo que o Congresso aprove um dos projetos de lei que reduzem impostos sobre os derivados de petróleo, nada impedirá que os consumidores sintam no bolso o peso dos reajustes. Por enquanto, a petrolífera está atendendo aos apelos do Palácio do Planalto para não mexer nas tabelas de preços nas refinarias. Mas a empresa tem limites.
Não é só. As cotações das commodities agrícolas estão no nível mais alto desde 2008. Significa que a comida que chega à mesa dos brasileiros ficará mais cara nos próximos 30 dias. O maior impacto virá do trigo, matéria-prima do pãozinho, de bolos, massas e biscoitos. Ainda que o grão importado pelo Brasil — que produz somente 50% do que consome — não venha da Rússia e da Ucrânia, grandes fornecedoras, com a escassez do produto, os preços disparam. Não há escapatória. Isso vale para a soja, o milho e as carnes. Como dizem os especialistas, é mais inflação na veia, que punirá, sobretudo, os mais pobres, cujos orçamentos são destinados, em maior parte, para os alimentos.
Assim como Bolsonaro está em cima do muro diante do embate no Leste Europeu — o mundo civilizado condena veementemente a Rússia pelos bombardeiros —, o governo como um todo dá sinais de incapacidade sobre como reagir aos efeitos da guerra. A percepção é de que os brasileiros terão de lidar sozinhos com suas próprias guerras. O problema é que, sem medidas coordenadas e ações efetivas por parte do poder público, o desastre estará contratado. Ainda é possível agir para minimizar o estrago na vida dos cidadãos. O que não pode são os governantes ficarem de olhos fechados sob a alegação de que os conflitos armados que aterrorizam o mundo estão a 10 mil quilômetros de distância. Neste mundo globalizado, tudo é logo ali.
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