Se você prefere livros em vez de armas, aí vai um toque de letra em tempos de guerra. Inclua Como o futebol explica o mundo no seu plano de leitura. A obra de Franklin Foer (Jorge Zahar Editor) é especial. Como diz a capa, "um olhar inesperado sobre a globalização".
Fica a dica diante das denúncias em meio à invasão russa à Ucrânia. Africanos sofrem racismo na tentativa de fuga de um país sob ataque. A hashtag #AfricansinUkraine no Twitter contém episódios de imigrantes que enfrentam resistência nas fronteiras para escapar em locomotivas. Há relatos de quem ouve de autoridades: "Negros deveriam andar".
O drama nas estações remonta o desembarque de jogadores afrodescendentes no futebol ucraniano. Os negros dos Cárpatos — título do capítulo 6 do livro sugerido — dedica 21 páginas ao racismo no país do Leste Europeu.
Franklin Foer conta as sagas de Edward Anyamkyegh e Samsom Godwin no Karpaty Lviv no início dos anos 2000. Na virada do século, a contratação de nigerianos virou moda na liga nacional da Ucrânia. Times que não tinham africanos no elenco não eram ambiciosos.
Havia uma estratégia. Os clubes ucranianos eram empresas estatais no comunismo. Não rolou privatização depois do fim do regime. Os times faliram. Oligarcas do país surgiram como mecenas. Assumiram a conta e tornaram-se proprietários. Nasciam projetos de poder inspirados no ex-dono do Milan e ex-primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi: lançar-se na política.
Ser dono de clube ucraniano e contratar negro nigeriano era um bom começo. Magnatas beneficiados pelos laços com o velho sistema cobiçavam atingir o patamar dos gigantes da Itália, Espanha e Inglaterra. A predominância de rostos negros no elenco era a fórmula do sucesso. Com os brasileiros em alta, africanos dariam a habilidade e a velocidade que faltavam às equipes do país.
Petro Dyminskyy posava de oligarca do Karpaty Lviv. O administrador de minas de carvão nos tempos do comunismo virou magnata comprando e vendendo reservas de gás e petróleo no oeste da Ucrânia. Investiu, fácil, US$ 500 mil para ter o nigeriano Edward Anyamkyegh. A ousada experiência transcultural rapidamente virou problema.
Ucranianos do Karpaty nascidos em Lviv diziam que, com US$ 500 mil, seria possível formar 10 jogadores locais. Escondiam um debate mais profundo. Eles queixavam-se a Dyminskyy: "Não queremos jogar com macacos". Anyamkyegh e Samson perguntaram ao oligarca por que os colegas não lhes passavam a bola. Surpreso com o fato de os ucranianos não gostarem dos negros, o técnico sérvio Ivan Golac diagnosticou: "Esse pensamento é típico de um povo primitivo. Percebemos o quanto os ucranianos estiveram isolados, de várias maneiras, em sua forma de pensar".
O drama de ontem no futebol ucraniano era não tocar a bola para um negro. Hoje, o passe de liberdade aos africanos nas fronteiras de um país em guerra.
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