O presidente Jair Bolsonaro sempre age de forma ideológica para tentar resolver um problema. Agora, com o Brasil seriamente ameaçado pela escassez e pela alta dos preços de fertilizantes, ele decidiu que o caminho mais rápido para reduzir a dependência do país por esses produtos — cerca de 23% vêm da Rússia, que está em guerra com a Ucrânia — é liberar a mineração em terras indígenas, destruindo florestas, como se não houvesse outras opções. Bolsonaro é crítico contumaz da demarcação de terras de povos originários. Se pudesse, entregaria tudo para exploração do setor privado sem necessidade de nenhuma licença ambiental.
Sabe-se que o Brasil é o único grande produtor agrícola que depende da importação de adubos. E essa dependência decorre, principalmente, do desmonte de uma estrutura industrial e da ausência de um plano para retomar a produção em território nacional. Em 2014, a Petrobras anunciou que era "a maior produtora de fertilizantes nitrogenados do Brasil". Naquele momento, a empresa mantinha ativas três unidades da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados (Fafen), uma no Paraná, uma em Sergipe e outra na Bahia. O projeto era parte do Plano de Negócios e Gestão 2013 e 2017.
Na mesma época, a estatal avisou ao mercado que ampliaria os investimentos em novas unidades, a fim de acompanhar o crescimento da demanda. Citava uma fábrica em construção em Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, e a intenção de construir unidades em Laranjeiras (Sergipe), Uberaba (Minas Gerais) e Linhares (Espírito Santo). Além de ter se desfeito dos negócios em operação, a Petrobras não tirou esses projetos do papel e, recentemente, vendeu o parque fabril de Três Lagoas, que está com as obras paradas há oito anos, para o grupo russo Acron. Mas, como a Rússia está sofrendo uma série de sanções econômicas, inclusive com o banimento do sistema financeiro internacional, não há como liquidar a transação.
Todo esse movimento da petrolífera comprova que o Brasil não deu o devido valor à fabricação de produtos estratégicos. Isso, mesmo o país tendo reservas de nitrogênio, fósforo e potássio (NPK). O argumento para o desmonte da indústria de fertilizantes foi o de que era mais barato importar os produtos. Agora, paga-se o elevado preço da dependência externa, mais precisamente, da Rússia, que seguiu caminho diferente do Brasil. Tornou-se exportadora de commodities agrícolas, mas também se transformou em uma potência energética, inclusive com a produção de gás, vital para a fabricação de fertilizantes nitrogenados, muito utilizados na cultura de milho.
O Brasil tem gás de sobra, porém, desperdiça a maior parte dele, por ter apenas duas rotas de escoamento. Aqui, são 40 mil quilômetros de dutos. Nos Estados Unidos, mais de 400 mil. Como dizem os especialistas, são imensas oportunidades jogadas fora por falta de planejamento estratégico. E isso coloca em risco a segurança alimentar do país. A ministra da Agricultura, Teresa Cristina, garante que há fertilizantes suficientes em estoque para a safra que será plantada a partir de outubro. A partir dali, os agricultores terão de contar com a sorte de outros países suprirem suas necessidades e que a invasão da Ucrânia por Vladimir Putin tenha chegado ao fim.
É preciso deixar de lado aquela visão urbana de que, no Brasil, tudo o que se planta dá. Não é verdade. O solo brasileiro é, em grande parte, pobre em nutrientes. Por isso, a necessidade de prepará-lo com adubos, para corrigir a capacidade nutricional e garantir maior produtividade. Tomara que, diante dessa situação-limite, de falta de fertilizantes e de preços altos, o governo acorde e busque soluções, que passam pela reindustrialização do país e pelo uso cada vez maior de bioinsumos, totalmente ecológicos. Liberar a mineração em terras indígenas, destruindo a Amazônia, é proposta de quem não sabe o que fazer. É uma aberração.
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