A prática dos políticos que tentam a reeleição de lançar mão ou aprovar pacotes de "bondades" — medidas econômicas de caráter favorável a grupos da população e frequentemente associadas à desoneração de impostos — não é nova e muito menos inofensiva a necessárias políticas públicas estruturadas num país com tantos problemas quanto o Brasil. Empenhados em se cacifar e buscando o caminho mais curto para conter a perda de popularidade, governantes e parlamentares comprometem o dinheiro público em períodos bem próximos ao calendário das urnas, deixando rubricas que podem afetar o orçamento mais à frente, quando não geram expectativas de benefícios mais aparentes do que, de fato, efetivos.
São iniciativas para servir de vitrines durante as campanhas em diversos momentos da história do país, mais elaboradas do que a velha tática da inauguração de obras públicas às vésperas de eleições. Essa polêmica voltou à cena brasileira a menos de oito meses das eleições de outubro, com os ensaios disparados esta semana pelo ministro Paulo Guedes sobre um pacote de medidas positivas na economia. A primeira delas foi divulgada na sexta-feira: a redução de 25% do IPI de automóveis e uma série de eletrodomésticos. O benefício já provocou a reação dos fabricantes da Zona Franca de Manaus.
Os estudos do Palácio do Planalto e do Centrão, que compartilha da chave dos cofres públicos, contemplam também crédito para pequenas e médias empresas em dificuldades financeiras — resta saber à base de qual taxa de juros, tendo em vista o juro básico elevado em vigor no país — e a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para que os trabalhadores paguem dívidas. Além dessas propostas, o presidente volta a insistir em alguma saída para premiar servidores da área de segurança com reajuste salarial.
Não há novidade nessas intenções. No governo Lula, em 2008, os discursos dos então ministros do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e da Fazenda, Guido Mantega, trombavam com a austeridade do secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, por desonerações tributárias que fariam parte de uma nova política industrial e tecnológica. O desconforto era visível para um "homem do caixa" do governo ante a expectativa de acomodar demandas de uma indústria sacrificada em sua competitividade numa receita apertada.
Em 2014, numa noite de sessão plenária, a Câmara dos Deputados aprovou a revisão das remunerações de várias categorias do serviço público, implicando efeito ao redor de R$ 576 milhões nas contas públicas. No pacote, foi incluída emenda estabelecendo que a União pagaria os salários de servidores públicos que fossem eleitos para mandatos em confederações, federações, sindicatos e associações cooperativas.
Outro exemplo de bondade perpetuada sem uma diretriz definida com responsabilidade política e senso de justiça com setores tratados de forma desigual pelo poder público é o Refis, programa que permite às empresas renegociarem dívidas com desconto. Desde a primeira edição, em 2000, estima-se que 40 projetos especiais de parcelamento e refinanciamento de dívidas tributárias foram adotados no Brasil. O Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), idealizado em 2017, teve três reedições e exigiu renúncia fiscal de R$ 38,5 bilhões.
A esse ritmo, as sucessões de bondades políticas com dinheiro da população contribuem, de forma sistemática, para minar a criação de políticas públicas inteligentes e com responsabilidade, assim como arrastam as necessárias reformas tributária e administrativa. Não é por outro motivo que o Brasil persiste no caldeirão das agências classificadoras de risco de crédito com avaliações negativas do ponto de vista fiscal desde os anos 1990.
O diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, bem definiu em entrevista ao Correio Braziliense, dos Diários Associados, o custo da demagogia política. Para ele, o perigo é que a ambição eleitoral passe a andar de mãos dadas com a irresponsabilidade fiscal, fato nada raro na política brasileira e que faz aumentar a desconfiança dos investidores, agravando inflação, desemprego e mantendo as taxas de juros elevadas.