Justiça federal encontra-se impossibilitada de realizar os pagamentos das perícias judiciais. Já são mais de 84 mil sem pagamento, além da paralisação de um número crescente de processos e agravamento no atraso na solução de demandas sensíveis e urgentes daqueles que buscam o recebimento de seus benefícios. Isso porque terminou em setembro de 2021 a vigência da Lei nº 13.876/2019, que encarregava a União desses pagamentos.
Essa situação deixa diversos cidadãos, assistidos pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) sem a possibilidade sequer de reclamar seus direitos, como aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial.
Hoje existem dois projetos de lei sendo debatidos no Congresso Nacional, que podem solucionar a questão. O PL 3.914/2019, apoiado pelo governo, propõe que o poder público assuma os custos apenas para aqueles que são de baixa renda. De forma diversa, o Projeto de Lei 4.491/2021, que tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados, estabelece o pagamento das perícias por parte do Executivo para todos, indistintamente de renda.
A discussão sobre o tema não é inédita e o cenário que vemos hoje, infelizmente, é uma repetição do que ocorreu em 2018, quando a Justiça Federal ficou impossibilitada de pagar os honorários periciais por mais de 12 meses. A solução do problema exige uma reflexão sincera e transparente acerca de questões técnicas, sociais e econômicos, peculiares a esse tipo de demanda.
Para entender melhor, o trabalho pericial é necessário quando há o indeferimento do benefício previdenciário ou assistencial e o Poder Judiciário é chamado a reapreciar a decisão administrativa. A análise, apreciação e julgamento desse tipo de ação, exige a designação de um médico perito (profissional privado que recebe honorários fixados pelo CJF), de quem o parecer auxiliará o juiz a julgar o caso concreto, permitindo a modificação da decisão do INSS, em eventual caso de equívoco da autarquia previdenciária.
A emenda constitucional 95, ao fixar o teto dos gastos do serviço público e limitar o orçamento para custeio, representou um amadurecimento institucional importante para o Brasil. Contudo, também produziu resultados indesejados e injustos, como é o caso específico do problema com pagamento das perícias judiciais.
No pagamento dos honorários periciais, a atuação do Poder Judiciário é basicamente operacional, antecipando o pagamento com valores integrantes da Assistência Judiciária Gratuita, com o posterior ressarcimento dos gastos, caso o INSS seja vencido. A antecipação e o ressarcimento ocorrem em momentos diferentes. O Judiciário paga primeiro, o INSS restitui depois.
Contudo, apesar da restituição posterior pelo INSS promover a readequação das contas, o limite de gastos já teria sido ultrapassado. Cuida-se de questão técnica sensível que impede a alocação dos custos no orçamento do Poder Judiciário.
As soluções propostas e que estão sendo debatidas no Congresso, como o pagamento das perícias apenas aos mais necessitados parece trazer uma necessária racionalização do sistema. A princípio, não parece equivocado exigir, daqueles com condições financeiras, que antecipe o pagamento, desonerando os cofres públicos. Afinal, a garantia ao acesso à justiça não está prevista no nosso sistema constitucional sem determinadas ponderações e condicionantes.
O desafio, no entanto, é definir qual o critério justo e aceitável para fixar quem tem, ou não, condições para arcar com esse valor. Esse desafio adota contornos especialmente delicados quando se constata que, nas ações judiciais em discussão, o ponto central é a incapacidade para o trabalho. Outra dificuldade é a fixação de um critério abrangendo o contexto social e econômico de jurisdicionados tão diversos.
Nesse debate, o papel da magistratura é sensibilizar os atores políticos, renovando o empenho e compromisso na busca por uma solução urgente e imediata.