Orlando Thomé Cordeiro - Consultor em estratégia
Esperando, esperando, esperando
Esperando o sol
Esperando o trem
Esperando o aumento
Para o mês que vem
Esperando a festa
Esperando a sorte
E a mulher de Pedro
Esperando um filho
Pra esperar também
Esses versos são da música Pedro Pedreiro, de Chico Buarque, lançada em seu primeiro compacto no ano de 1965, retratando o cotidiano de um trabalhador. Ela me veio à lembrança ao assistir na tevê as inúmeras reportagens sobre a tragédia de Petrópolis e os depoimentos de diversos sobreviventes. Algumas histórias são tão dramáticas quanto reveladoras.
Em janeiro de 2011, mês da catástrofe climática na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, Rafael Castro Xavier e sua família perderam tudo após sua casa, no distrito de Itaipava, ser invadida pelas águas. Passado o trauma, conseguiram reconstruir suas vidas. Recentemente, Rafael e esposa haviam se mudado para o bairro Quitandinha. Diariamente, ele pegava um ônibus para se dirigir ao supermercado no Centro, onde trabalhava. No dia 15, o veículo em que estava foi tragado pela correnteza em imagens que correram o Brasil. Deficiente físico, com uma das pernas amputadas, ele não conseguiu se salvar.
No dia 22, o jornal RJ1, da TV Globo, mostrou a situação de muitos petropolitanos que perderam a casa nas chuvas de 2011. A promessa de uma nova moradia demorou cinco anos para se concretizar, como é o caso do conjunto habitacional Condomínio da Posse, que só começou a ser entregue em 2016, mas com obras mal feitas ou incompletas.
A mesma matéria apresentou-nos o caso de Edna Araújo. Em 2006, quando teve sua casa condenada pela Defesa Civil, ela se cadastrou para ter acesso ao aluguel social, mas somente em 2021, 15 anos depois, começou a receber. Atualmente há 1.350 pessoas na fila para receber o auxílio.
Todos sabem que tragédias, como a acontecida no dia 15, são resultado da combinação das mudanças climáticas aceleradas pelo desmatamento com a ocupação irregular e desordenada do solo urbano, particularmente morros e encostas. Segundo levantamento feito pelo MapBiomas, a ocupação irregular no município cresceu 108,8% entre 1985 e 2020, mesmo após grandes tragédias, como as de 1988, 2011 e 2013.
No Plano Municipal de Redução de Riscos, de 2017, foram mapeadas 27.704 moradias "em áreas de risco alto e muito alto". Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) indicou que, em 2018, pouco mais de 70 mil pessoas moravam nas áreas de risco de desastres naturais, o equivalente a 24,4% da população total do município distribuída em 24.089 domicílios.
E, por falar em Cemaden, é bom lembrar que esse órgão foi criado após a tragédia de 2011 e representou um importante avanço no processo de redução de mortes decorrentes dos chamados desastres naturais. Ao detectar a possibilidade de ocorrência de um desastre, o órgão emite, com alguns dias de antecedência, o alerta para a Defesa Civil nacional que faz a comunicação com as Defesas Civis estaduais e municipais. Registre-se que o comandante da Defesa Civil de Petrópolis confirmou ter recebido o alerta na véspera do evento, mas considerou que seria uma chuva de verão. Como assim?! Por que as sirenes não foram acionadas?!
Para completar tal cenário, o jornalista Ruben Berta, do UOL, informou que, em 2016, o Cemaden instalou nove equipamentos no Brasil para acompanhar em tempo real deslizamentos de terra. São sensores denominados ETR (Estações Totais Robotizadas). Porém todos estão parados desde janeiro de 2018 por falta de verba do governo federal para sua manutenção, sendo que uma delas deveria funcionar justamente em Petrópolis.
Os relatos e as informações acima são mandatórios para provocar uma mudança de comportamento da sociedade brasileira. Precisamos parar de aceitar passivamente justificativas do tipo "nunca choveu tanto" ou promessas de que "vamos garantir novas moradias para retirar as pessoas das áreas de risco". Os orçamentos públicos nos três níveis federativos revelam uma verdade incontestável: a cada ano reduzem-se os recursos destinados à prevenção.
Levantamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas informa que desde 1988 passamos de 4 mil mortes por deslizamentos no país. E até o momento em que escrevo esta coluna, já são mais de 200 mortes, 89 desaparecidos e quase 1 mil desabrigados em Petrópolis.
Enquanto isso, só tem restado à maioria da população vítima desses desastres contar com a ajuda e a solidariedade de voluntários, além de vizinhos e familiares igualmente atingidos pelas tragédias. E, como Pedro Pedreiro, continuarem esperando...