Renato Borges Dias - Presidente institucional da Associação Brasileira de Toxicologia (ABTox)
De acordo com o Relatório Mundial sobre Drogas 2021 da Organização das Nações Unidas (ONU), em 2020, mais de 275 milhões de pessoas usaram drogas e 36 milhões sofreram de transtornos causados pelo seu uso. Entretanto, vale destacar que, historicamente, no Brasil e no mundo, o combate às drogas sempre foi feito utilizando repressão e fiscalização. E, aproveitando o Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo, em 20 de fevereiro, cabe noticiar uma revolução silenciosa no desestímulo ao uso de drogas, e que está ocorrendo no trânsito brasileiro de forma crescente e extremamente importante. Muitos ainda não sabem como esse exame pode prevenir cada vez mais o cenário dos acidentes de trânsito nas estradas e rodovias nacionais.
Desde março de 2016, está em vigor a exigência legal do exame toxicológico de larga janela de detecção para motoristas das categorias C, D e E (caminhões, ônibus, carretas e vans). Por meio da análise laboratorial da queratina, com a coleta de cabelos, pelos ou unhas, é possível identificar o uso frequente de drogas nos últimos 90 e até 180 dias. Ou seja, todos os motoristas que estão habilitados nessas categorias devem fazer o exame toxicológico periódico a cada dois anos e seis meses. E, para não confundir o usuário eventual com o consumidor regular, foi estabelecido um nível de corte, previsto na regulamentação da Lei nº 13.103/15, que deu origem à obrigatoriedade do exame, a qual foi sucedida pela Lei nº 14.071/20 tornando-a mais efetiva. Com índices de contaminação por drogas acima do cut-off (nível de corte), o condutor está inabilitado para dirigir, porque os índices de drogas presentes no seu organismo afetam a sua capacidade de tomar decisões seguras ao volante. O mesmo ocorre em caso de abstinência.
O exame toxicológico, então, passou a ser uma ferramenta essencial para tornar a estrada mais segura. Mesmo que alguns condutores usuários regulares de drogas tenham se afastado do vício logo após a exigência do exame, foi registrada queda de praticamente 30% na renovação das habilitações nas categorias alcançadas pela exigência. Sem dúvidas, fato sem precedentes na história dos Detrans brasileiros. Entre março de 2016 e julho de 2021, segundo levantamento feito pelo SOS Estradas — Programa de Segurança nas Estradas, desapareceram do mercado 3,6 milhões de condutores das categorias C, D e E. Quando, historicamente, entre 2011 e 2015, o crescimento médio anual era de 2,8%.
Atualmente, temos menos motoristas habilitados nessas categorias do que tínhamos em 2011. Essa queda brutal é fruto do que foi definido como positividade escondida. É fato que um grande número de motoristas não comparece nos laboratórios para fazer o exame porque, no fundo, sabem da eficiência da larga janela e que o resultado será, obviamente, positivo.
Por outro lado, uma pesquisa feita pelo Ministério Público do Trabalho, com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e outros órgãos, identificou queda de 60% no uso de drogas por motoristas profissionais, entre 2015, último ano sem exigência do exame, e 2019, três anos após a aplicação da norma. A única explicação foi a exigência do exame toxicológico, uma vez que não houve nenhum outro fator que justificasse essa queda. Ao mesmo tempo, os acidentes com caminhões caíram 34% nas rodovias federais entre 2015 (último ano sem a exigência do exame) e 2017 (o primeiro em que foi exigido na plenitude). No caso dos ônibus, a queda foi de 45%.
A revolução trazida pelo exame toxicológico de larga janela é uma realidade e, de fato, responsável por desestimular o uso de drogas. Quem pretende trabalhar como motorista profissional, piloto, policial rodoviário, dentre tantas outras profissões que exigem o exame, já sabe que não poderá fazer uso de drogas, caso contrário, não conseguirá renovar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) ou ingressar nessas profissões.
Para diminuir o uso de drogas, precisamos mais do que nunca utilizar a tecnologia, como a oferecida pelo exame toxicológico de larga janela, que existe há mais de 100 anos e, agora, está acessível para qualquer pessoa. Os resultados obtidos por essa tecnologia laboratorial não possuem precedentes na história do combate ao uso de drogas no Brasil. Precisamos ampliar seu uso para enfrentar o devastador tsunami das drogas. Tudo isso sem custo para o Estado. Portanto, é uma mudança de paradigma que confirma a importância da prevenção, em comparação com a repressão.