Editorial

Visão do Correio: Democracia em perigo

Mais uma vez, sem qualquer justificativa, o presidente Jair Bolsonaro voltou a atacar o sistema eleitoral brasileiro. É inaceitável que o chefe de um dos Poderes, eleito democraticamente, insista em criar narrativas falsas em torno das urnas eletrônicas. Trata-se de um grande desserviço ao país e uma afronta à democracia que, com tanta dificuldade, foi reconquistada há pouco mais de três décadas e deve ser preservada há qualquer custo. Não há mais espaço para retrocessos, ainda que alguns sejam saudosistas dos porões da ditadura, como tem frisado o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Acreditava-se que o presidente da República tinha se rendido aos fatos, à verdade, quando recuou das ofensas ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, em desvantagem nas pesquisas de intenção de votos e com forte rejeição, vestiu novamente o figurino de candidato e insiste em disseminar a versão, totalmente improcedente, de que as urnas já estão preparadas para eleger o ex-presidente Lula. Há 26 anos o Brasil adotou o sistema de votação eletrônica. Nunca se comprovou nenhuma fraude nos pleitos, ao contrário da farra de absurdos que se via nos tempos do voto impresso.

Chama a atenção, diante dos renovados ataques de Bolsonaro ao TSE, a passividade da Procuradoria-Geral da República, mais precisamente de Augusto Aras, que parece ter se rendido aos seus interesses pessoais. O procurador-geral ainda sonha em obter uma vaga no STF — duas delas serão abertas em 2023. Para atingir seu objetivo, porém, precisa que o presidente da República seja reeleito. Muitos dos pares de Aras afirmam que ele está dando munição aos que minam a democracia em vez de exercer o papel constitucional que lhe cabe, de defender os interesses do país.

Também merece destaque o silêncio das duas casas do Congresso. Desde a retomada das agressões do presidente, nem a Câmara nem o Senado emitiram sinais de apoio à Justiça Eleitoral, como ocorreu em outros momentos. Sabe-se que, hoje, grupos políticos importantes, representados pelo Centrão, assumiram recentemente o controle oficial do Orçamento da União. Com tanto dinheiro para manejarem de acordo com seus interesses, deputados e senadores não querem confrontar o chefe do Palácio do Planalto, mesmo que isso represente abrir brechas aos que flertam com o autoritarismo.

Espera-se, ao menos, que o Judiciário não se renda a esse movimento despropositado. A resistência demonstrada até agora pelos ministros do TSE indica que o lado bom da história tende a prevalecer. Mas é preciso que o grosso da população endosse a Justiça Eleitoral e também mantenha a voz ativa contra aqueles que insistem em querer levar a democracia à ruína. À medida que as eleições se aproximem, os ataques às urnas eletrônica vão aumentar, com fake news por todos os lados. As armas dos inimigos do diálogo institucional e republicano já estão em ação. Destruí-las é missão urgente.

Críticas e debates acalorados fazem parte da democracia. E sabê-las ouvi-las e apresentar contraposições demonstram grandeza que, infelizmente, está em falta no Brasil. Que os principais atores políticos estejam prontos para reagir e evitar que o país mergulhe no caos. Os alertas estão sendo dados todos os dias e os riscos de retrocessos são claros. Portanto, qualquer omissão significará sancionar o discurso dos adoradores de ditaduras. Não há opção que não seja a de refutá-los. Definitivamente, o tempo das Repúblicas das Bananas passou.

Saiba Mais