O Brasil não cansa de contar mortos. Não bastassem as quase 650 mil vidas perdidas para a covid-19, há mais de dois meses, o país vem sendo varrido por chuvas intensas, empilhando corpos, desnudando a tragédia da gestão pública. Já não cola mais a justificativa de que os desastres como o que resultou em pelo menos 98 óbitos em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, são naturais. Na verdade, revelam todo o descaso dos governantes com os cidadãos, relegados à própria sorte.
Está evidente que, de norte a sul do Brasil, não há planejamento para a ocupação das cidades. Não há fiscalização eficiente em relação ao uso do solo. Muito pelo contrário, a grilagem de terras, mesmo em áreas de risco, ocorre com o apoio de autoridades, que se empanturram do comércio ilegal de moradias, mesmo sabendo que, em algum momento, vidas serão perdidas. Em Petrópolis, são mais de 500 áreas de risco, muitas comandadas pelas milícias.
Em um país sério, jamais tantas pessoas estariam morando em locais inapropriados. Ao menor sinal de invasão, todos seriam removidos, pois se tem a consciência de que o estrago, diante de um evento inesperado, será enorme. As autoridades costumam ouvir os alertas dados pelos órgão de defesa civil e tratam de agir para minimizar os impactos. Em Petrópolis, dois dias antes da tragédia, foi dado o aviso de que chuvas muito intensas estavam por vir. O recomendado, portanto, seria evacuar as regiões mais problemáticas, dando suporte aos cidadãos. Optou-se por fechar os olhos e os ouvidos.
Não se pode culpar as pessoas por instalarem suas moradias em áreas de risco, simplesmente porque não têm para onde ir. As políticas habitacionais, quando existem, são excludentes e sempre beneficiam os amigos do rei. Mais: empurram os mais pobres para regiões totalmente desabastecidas de infraestrutura — sem escolas, sem hospital, sem comércio decente, sem saneamento básico, com transporte deficiente, o que faz com que trabalhadores percam horas do dia no trânsito.
As vozes em defesa dos milhões de brasileiros que vivem à espera do desastre só aparecem depois da porta arrombada, sempre com políticas paliativas, que não vão resolver os problemas estruturais. As mesmas vozes ecoam em anos de eleições, apostando que, mais uma vez, conseguirão ludibriar os eleitores. Infelizmente, muitos desses enganadores, com suas falsas promessas, sairão vitoriosos das urnas e, nas próximas tragédias, farão os mesmos discursos. É o ciclo vicioso que alimenta o Brasil do atraso, em que apenas os grupos de sempre se dão bem.
É imperioso que esse filme de terror não se repita mais. Para isso, a população precisa se conscientizar dos seus direitos e cobrá-los de quem quer que seja. Não é mais possível que, ano após ano, famílias sejam destruídas porque a ineficiência do setor público prevaleceu. Desde o fim de dezembro, o país acompanhou, atônito, mortes na Bahia, em Minas Gerais, em São Paulo e, agora, no Rio. Qual será o próximo destino? Quantas mais pessoas morrerão vítimas de chuvas e desabamentos?
Não se pode esquecer de que eventos extremos estarão cada vez mais presentes no nosso dia a dia, por causa das mudanças climáticas. O Brasil, para tornar o quadro ainda mais dramático, retroagiu enormemente na questão ambiental nos últimos três anos. O país, portanto, está mais vulnerável. Isso quer dizer que o descaso das autoridades está condenando uma parcela da população à morte. É o caos anunciado.