Jair Bolsonaro não é um cidadão do mundo. Prova disso é a quantidade de problemas diplomáticos que arranjou com vizinhos — Argentina e Venezuela —, com países do mesmo continente — meteu-se na eleição chilena ao dizer que não iria à posse do presidente eleito Gabriel Boric, que assume em 11 de março —, com os Estados Unidos — reconheceu de má vontade a vitória de Joe Biden, semanas depois de ter sido declarado sucessor de Donald Trump —, com a China — acusou o principal parceiro comercial do país de "inventar" o novo coronavírus e ridicularizou a CoronaVac — e até com o Japão — fez um desses comentários estúpidos sobre virilidade. O presidente da República é um provinciano, naquilo que de pior a província pode ter.
Não arranjou tais arestas sozinho. Contou com o auxílio luxuoso de um assessor internacional inexpressivo e cego em matéria de pragmatismo político, e de um chanceler que jamais esteve à frente de uma representação diplomática — aquele mesmo que disse não ser ruim para o Brasil ser um pária internacional. Quando o então ministro das Relações Exteriores tornou-se um prejuízo incomensurável, trocou-o pelo então chefe do cerimonial da Presidência, diplomata calejado e com experiência no manejo das relações exteriores. De lá para cá, Carlos França tem se esforçado para dar a Bolsonaro um verniz que jamais lhe terá brilho.
O presidente agora está na Rússia. Pelo que se comenta nos bastidores, deve trazer pouco. O país de Putin tem mais interesse na Venezuela, com quem tem laços mais antigos, do que no Brasil — que não é, claro, um mercado desprezível. Mas do ponto de vista da tecnologia militar e cibernética, os grandes produtos de exportação russa para mercados como o nosso, Moscou percebe que a porteira está fechada. Se lá atrás a Força Aérea Brasileira tivesse optado pelos Sukoi-35 Super Flanker, quando da abertura do Programa FX-2 — um pacote semelhante ao do representado pelo Gripen sueco, mas descartado na largada —, haveria uma janela aberta para o aprofundamento das relações com a Rússia.
O que se espera dessa viagem é a melhoria nas condições para o agronegócio brasileiro, com algum avanço na pauta de exportações. A indústria têxtil também pode conseguir melhorias de condições que lhe permita desafogo em relação ao crescente consumo de artigos importados da China. Assim, a ida de Bolsonaro não seria um zero absoluto.
O que interessa à comitiva, porém, é a segunda escala, no Leste Europeu, quando o presidente se reúne com Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. Xenófobo, preconceituoso, atrasado e um dos principais nomes internacionais de um perigoso movimento reacionário, Bolsonaro estará nos próximos dias diante de um igual. Se os russos são distantes do Brasil, os húngaros são mais ainda — talvez o único ponto de contato seja a goleada sofrida pela seleção brasileira, por 4 x 2, na Copa de 1954. Bolsonaro e Orbán compartilham do sonho de criação de um movimento internacional de extrema direita, capaz de dar alguma relevância a ambos quando deixarem o poder.
Espremendo para tentar obter o suco desse giro internacional, o resultado tem tudo para ser pequeno e limitado. Não para Bolsonaro, e sim para o Brasil. Mas para um provinciano isso pouco importa.